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Crônicas
03/04/2007 - 15h14
Ah, que saudade das verdinhas!
Daniel Santos
 

Nem lembro de quem ganhei, faz muito tempo já. Ou ninguém me presenteou e comprei eu mesmo para usar em casa, ir à praia, coisas assim. O fato é que me apeguei a ela – ou melhor, ao par – como uma natural extensão do meu próprio corpo.

Eram verdinhas. “Verde-nojo”, implicava minha esposa que, invasiva, autoritária, sem pedir autorização, costumava lavar as sandálias de borracha com desinfetante e deixá-las na área de serviço para secar.

Cansei de lhe pedir para usar apenas sabão, por desconfiar que outras substâncias poderiam acelerar sua deterioração, mas ela fazia ouvidos de mercador. Segundo dizia, a borracha das sandálias soltava um cheiro insuportável que só saía com desinfetante.

Ao final do segundo ano de uso, senti que a espessura da sola diminuía, porque o calcanhar quase tocava o chão, o que, afinal, aconteceu para meu absoluto abatimento moral: as verdinhas desmanchavam-se!

Desmanchavam-se, mas continuei gostando delas, ou melhor, passei a gostar mais ainda. Por isso, não as atirei no lixo meses depois, quando desgastaram-se na parte da frente e, assim, além do calcanhar, também o dedão pisava diretamente no chão!

Foi a época em que minha mulher mais implicou com as verdinhas e, no auge da crueldade, tentou impedir que “os chinelos da decadência”, como dizia com desprezo para mim incompreensível, ficassem lado a lado da cama de casal, enquanto eu dormia.

Ignorei seu veto, que, claro, ela abusava das prerrogativas de esposa. No mais, continuamos como sempre, se bem algumas vezes percebesse no rosto dela um ricto de asco e de amargura; em virtude, na certa, dessa tendência feminina para dramatizar tudo.

Mas parou por aí. Ou assim ela me convenceu, ao manter-se calada, quando as tiras das sandálias soltaram-se e remendei-as com barbante, depois com grampos de alumínio. Claro, por essa época, calçava-as de raro em raro para preservá-las, se possível, até a eternidade. Tal, no entanto, revelou-se uma quimera que minha esposa desfez na minha ausência, num momento de descontrole emocional: atirou-as à lixeira!

Esse gesto, compreendi-o como de alta traição. Para me compensar a perda que quase me tornou depressivo, ela me presenteou com um novo par de sandálias que a custo calcei.

Mas isso foi há alguns anos. Agora, já me acostumei, ainda mais que estão envelhecendo como as verdinhas e, admito, começo a gostar delas também.


Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca, 54 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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