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Opinião
04/04/2007 - 11h17
Verbo, verba e patifaria cultural
Ipojuca Pontes - MSM
 

Aos poucos, mesmo manifestando todo tipo de desprezo pela boa ou má literatura, Lula da Silva vai influenciando as letras nacionais. Como? Bem: assim como melou com eficiência o jogo da CPI do Apagão, o vosso presidente está pondo em prática projeto de cooptação literária que na certa o levará, mais cedo do que se pensa, ao panteão da Academia Brasileira de Letras. O esquema adotado por Lula para insuflar as letras nacionais é diabólico, porém objetivo: ele associa, sem nenhum pudor, o verbo e a verba, impondo na literatura o modelo levado adiante, por exemplo, com os partidos políticos da "base aliada" e o chamado "cinema nacional".

Para se tornar patrono das nossas letras Lula conta com aliados de peso, que atendem ao primeiro estalar de dedos, tais como a Petrobras, o dinheiro do contribuinte (via impostos lesivos) e a grana das instituições oficiais do setor. A estatal do petróleo, por exemplo, no seu Programa Petrobras Cultural, destinou a quantia de R$ 800 mil ao projeto de bolsas para escritores: serão repassados cerca de R$ 3 mil a cada escriba durante um ano e meio, quantia desprezível para uma empresa que cobra pelo litro da gasolina um dos preços mais caros do mundo. Até agora já se inscreveram para a bolsa mais de 420 candidatos mas o número deve triplicar, (num futuro próximo, quem sabe, será atingida a casa do milhão).

A pergunta que me faço é a seguinte: que tipo de literatura a estatal do petróleo vai patrocinar? Ela seria capaz de financiar, por exemplo, um livro de ficção sobre a corrupção no Partido dos Trabalhadores? De investir num talento que pudesse romancear a boa vida de Palocci e seus amores na luxuosa mansão do Lago Sul de Brasília? Ou de fazer publicar um livro de contos sobre como um trabalhador brasileiro acorda às quatro horas da matina para ir ao trabalho a pé porque não tem recursos para pagar transporte, excessivamente caro em função dos altos preços do diesel cobrado pela empresa?

Outro projeto curioso, a ser financiado pelo bolso do miserável contribuinte, é justamente o que leva o nome de "Amores Expressos", ainda em tramitação nos escaninhos do Minc, mas que financiará 16 escritores, escolhidos a dedo, para viajar pelo mundo e, depois, cada um escrever uma "história de amor". A coisa funcionará do seguinte modo: após embolsar R$ 10 mil e passar, com todas as despesas pagas, um mês flanando pelas calçadas da rive gauche, em Paris, o escritor felizardo poderá ter (ou não) a sua obra publicada pela Companhia das Letras ao tempo em que cede os direitos de imagem e de adaptação para o cinema da gororoba resultante dos "amores expressos".

Na briga de foice em que se transformou a "vida artística nacional", o projeto de "Amores expressos" encontra resistências. Um poeta de São Paulo acha que o negócio não passa de grossa "sacanagem". Um outro escritor, em carta a um jornalão, diz que tudo é tão somente uma "farra entre amigos". Um outro, do Movimento pela Literatura Urgente, discorda com veemência e quer a grana pública de imediato: "Viver sempre na merda, não dá" (...) "Eu estou com o Manoel (de Barros, o poeta). Eu sempre digo: minha literatura não tem preço. Mas para todas as outras coisas, uso o meu MasterCard". O apressado escriba tem razão: se um cineasta torra milhões de reais em filmes que ninguém vai ver, porque ele não tem direito de entrar no rega-bofe?

Preocupado com a urgente demanda, um burocrata executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura, o Sr. José Castilho, informa que está prestes a "incentivar a autoria" literária, a partir da adoção de estratégia para acelerar o "desenvolvimento cultural do Brasil". Seu primeiro passo será cadastrar os milhares de escritores em atividade e, em seguida, promover "caravanas de discussão de escritores pelo país todo". O burocrata, no afã de torrar o inesgotável dinheiro público, é taxativo: "Estamos num mundo muito profissionalizado, a atividade criativa tem de ser remunerada condignamente, como qualquer outro trabalho".

O verbo e a verba – eis a senha circulante entre burocratas e pseudo-escritores no Brasil atual. Impera no meio uma visão de que o Estado não passa de "uma boa vaca para lhes fornecer leite". Será que essa gente enlouqueceu? Ela pensa que a criação de milhares de "sinecuras literárias", entre amigos da mesma corporação, vai possibilitar, de fato, o desenvolvimento cultural do País? Essa gente ignora, por acaso, que o dinheiro do Estado, para satisfazer suas ambições pessoais, não é do Estado, mas sim do bolso de quem se esfalfa para pagar os impostos sufocantes do governo?

Perdeu-se, no Brasil da era Lula, a noção da decência e da dignidade. Açulado pelo governo corrupto e corruptor, o sujeito só pensa em causa própria, nos seus projetos pessoais, incentivado pela ação demagógica de políticos mentirosos cuja função é prometer a resolução de todos os problemas humanos – mas que, na prática, ao se apropriar dos recursos criados pelo trabalho, só faz ampliar a carga de privilégios, miséria e violência que nos cerca.

O sujeito que, para escrever, exige as benesses do Estado, não é escritor mas sim um borrador de tintas candidato à escravidão eterna. Rastejará sempre em torno de autoridades e ministros trapaceiros, burocratas manhosos, editores espertos em busca de financiamentos públicos, desprezíveis companheiros de ofício, críticos desonestos e políticos astuciosos. Longe da verdade, será sempre um mau escritor, jeitoso e inútil, apegado aos modismos e falsos valores, lendo os livros errados, tornando-se um escriba superficial por gastar o tempo com convenções mentirosas, e – o que é mais daninho – sendo considerado pelos pares, no final da vida, como um "grande escritor".


Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.

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