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Opinião
05/04/2007 - 08h11
As gravatas do rabino
Ricardo Viveiros
 

Quando, ainda muito jovem, - no exílio político em Oxford, Inglaterra -, lendo pela primeira vez o novelista russo Leon Tolstoy, memorizei uma explicação dada por ele sobre o que significa ser judeu: "...aquele ser sagrado que trouxe dos céus o fogo eterno com o qual tem iluminado o mundo inteiro. Ele é a nascente, o manancial, a fonte da qual todos os outros povos sorveram suas crenças e suas religiões".

Dessa época em diante, passei a observar melhor os judeus. Sua maneira de ser, pensar a vida, agir, propor soluções que garantam a paz para todos. Um compromisso com as raízes, fé inabalável, respeito absoluto à educação e à cultura. O desejo de empreender e garantir digna sobrevivência para sempre. Solidariedade com seus irmãos. Esse conjunto de valores está sempre nos mandamentos do bom judeu.

Mais tarde, de volta ao Brasil, conheci o rabino Henry Sobel. Um ser humano simpático à primeira vista, alto, magro, cabelos longos, brilhantes olhos azuis, sorriso largo, calmo e um sotaque inconfundível de quem, embora esteja vivendo aqui há muitos anos, insiste em manter um vínculo com a sua origem - um belga que fala inglês norte-americano.

Mesmo ocupando posição de destaque no rabinato da Congregação Israelita Paulista, a poderosa CIP, Sobel não se omitiu e, corajosamente, uniu-se ao cardeal católico Dom Paulo Evaristo Arns na defesa dos presos políticos. Soube, embora freqüentando o mesmo ambiente de alguns empresários simpatizantes da direita, exigir respeito e direitos humanos para aqueles que combateram o Golpe Militar que, em 1964, instaurou uma sangrenta ditadura no Brasil. Sobel defendeu a liberdade de imprensa, jornalistas e veículos então injustamente perseguidos.

E foi muito além da participação política responsável. O rabino Sobel, nestas últimas três décadas, disse "presente" - de corpo e alma -, às ações humanitárias em busca de justiça social para velhos, crianças, deficientes físicos e mentais, negros, mulheres e outras minorias ainda vergonhosamente discriminadas neste País. E, sem medo, com sua voz pausada e firme, enfrentou toda e qualquer tentativa de desrespeito à liberdade.

Cada uma das vezes que eu presenciei, e foram muitas, o rabino Sobel lutando por oprimidos, necessitados e sofredores, eu me lembrava das palavras de Tolstoy sobre o que significa ser judeu. E via naquele doce guerreiro, algo como se o povo judeu fosse uma Torá viva, e ele uma letra dourada do livro sagrado.

Num enterro de um amigo, lá estava Sobel. Na hora da saída do féretro, ele disse algumas palavras. Lembro-me como se fosse hoje, arrastando os erres como de hábito, o rabino perguntou aos presentes a razão de acenderem velas para os mortos. E ele respondeu: "É para iluminar o caminho do morto ao encontro de Deus".

Ultimamente, no contexto cruel da violenta e fria vida das grandes cidades, o rabino Sobel - quem sabe, cada vez mais preocupado com os que sofrem -, havia perdido o sono. E, como qualquer um de nós, embora sua leveza interior começou a sentir-se mal, a não ter ânimo para trabalhar e seguir ajudando aos semelhantes, levando esperança e fé aos seus irmãos. Porque para os judeus somos todos irmãos, filhos de um mesmo Pai.

No contexto da sabedoria popular que diz "de médico e de louco todo mundo tem um pouco", o mortal rabino Sobel resolveu tomar comprimidos para dormir. Passou a usar algum desses que as pessoas receitam entre si, nas horas de um bate papo informal. Alguma boa senhora judia, depois de um chá, ao ter percebido o semblante abatido do rabino, deve ter lhe receitado o que o médico, segundo ela "muito bom", prescreveu para o marido.

Os comprimidos tiveram o efeito previsto, Sobel venceu a "insônia severa". Mas - o que ele não esperava -, vieram os efeitos colaterais: "confusão mental e amnésia", sintomas típicos de quem tomou hipnóticos diazepínicos na dose errada. Tanto que o bom rabino Sobel dormiu mesmo acordado. E deu oportunidade a um outro ser, que independentemente de seus bons costumes, sabe-se lá por quais razões, furtou quatro gravatas numa elegante avenida de Palm Beach, na Flórida, Estados Unidos.

O rabino Sobel está internado - comprovadamente doente, segundo boletim médico do respeitado Hospital Albert Einstein -, para tratamento de saúde. Antes, porém, numa demonstração de humildade e respeito, licenciou-se do cargo que ocupava no rabinato da CIP e, após a primeira medicação correta seguida ao lamentável episódio que viveu, mais uma vez sem medo, concedeu entrevista coletiva à imprensa e, com muita dignidade, pediu desculpas pelo ocorrido.

O rabino Sobel é, há 63 anos, um homem de bem. Mais do que isso, um cidadão solidário e comprometido com nobres causas que transcendem supostas obrigações religiosas e raciais. Quem se achar acima do bem e do mal, que lhe atire a primeira pedra. Caso contrário, com fraternidade, torça pela total recuperação de Henry Sobel, para que ele volte a ser quem sempre foi. Ele merece isso; nós também.


Nota do Editor: Ricardo Viveiros é jornalista, escritor e empresário de Comunicação Corporativa, acaba de lançar um novo livro: "Da Arte do Brasil".

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