Nunca imaginei que um dia viesse a ter uma irmã alemã. Quis o destino que Luiza Helena, socióloga, conhecesse Wini, médico. Foi aqui mesmo, faz mais de 20 anos, antes do turismo sexual invadir o Brasil. Wini veio fazer residência médica, casou e levou minha irmã e nos deu duas sobrinhas, Júlia e Isabella, minha afilhada. Por conta disso, principalmente, amiudei minhas andanças pela Europa que começaram em 1965, ainda frangote. São 42 anos e, mesmo sem querer, vi muita coisa acontecer por lá. Vi o fim das ditaduras de Salazar (1974) e Franco (1975) e a queda do muro de Berlim (1989). Por acidente ou sorte, andava batendo perna por lá por esses tempos tão conturbados dos anos 70 e 80. Lembro de Lisboa quando da "Revolução dos Cravos", da euforia dos espanhóis pós-Franco e de quão atônito fiquei quando em 89 vi, literalmente, o muro de Berlim ser derrubado, enquanto jovens arrancavam pedras com as mãos, gritavam e cantavam. Agora, neste ano de 2007, exatos no mês passado, completa 50 anos o Tratado de Roma que definiu os rumos do que é hoje a União Européia, um complexo e bem cuidado sistema que tem como princípios fundamentais a democracia representativa, coíbe a pena de morte, não aceita o trabalho escravo, defende a liberdade de falar e escrever e expressa a igualdade por gênero, etnia, religião ou orientação. Todos os seus 494 milhões de habitantes são livres para circular e trabalhar, como cidadãos supranacionais, nos 27 países da comunidade, hoje tão rica quanto os Estados Unidos. Essa idéia engenhosa e trabalhosa, que não tem similar no mundo, pois o Nafta, o Tratado Norte-Americano de Livre Americano, que reúne Estados Unidos, Canadá e México, está longe de ser referência em igualdade de direitos e oportunidades para os cidadãos desses três países norte-americanos. Aqui na nossa América, a tentativa do Mercosul ainda engatinha, ao mesmo tempo em que o Chile se isola, a Venezuela grita e o Brasil sofre por falar e agir de forma diferente dos que têm a língua de Cervantes como meio de expressão e o arquétipo de Simon Bolívar, como herói continental. Como seria bom que tivéssemos uma semana de trabalho de 35 horas, igual à França. Como exultaríamos se a tarde de sexta-feira fosse enforcada, como na Espanha. Que alegria se o nosso SUS fosse substituído pelo quase igualitário modelo de Estado de bem-estar social, em que todos são, além de outros benefícios, atendidos e providos assistência e de remédios, sem distinção. Para isso, foi preciso muito trabalho, e o fim da tacanha patriotada e eugenia que provocaram duas guerras mundiais (1914-1917 e 1939-1945) no século XX. Essa luta iluminista culminou com a criação, em nível transnacional de órgãos tão diferentes quanto: um Conselho que estabelece as diretrizes gerais, uma Comissão que executa, um parlamento que legisla, uma corte de justiça que arbitra litígios e um banco central europeu que consolidou, administra o Euro e determina baixas taxas de juros. Tudo isso sem picuinhas e respeitando as individualidades nacionais. Sonhar com modelos semelhantes para nós é uma forma de pensar em sair desse círculo vicioso de quase riqueza e muita pobreza, permeada por ainda gritantes índices de mortalidade infantil e desigualdade social, tudo amparado na promiscuidade e impunidade que vicejam na política e incentivam desvios de conduta.
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