Qualquer cinéfilo interessado no processo de realização dos filmes conhece alguma história de cineasta que, antes de produzir seu primeiro filme, passou por terríveis dificuldades enquanto escrevia seu roteiro e preparava o projeto do que viria a ser depois um grande sucesso. São bons exemplos disso, James Cameron dirigindo caminhões enquanto tentava ingressar na carreira ou mesmo um iniciante Martin Scorsese escrevendo roteiros dentro de seu automóvel, sem lugar para passar a noite. É quase uma regra informal da indústria que, até ser "descoberto" e "escolhido", um roteiro cinematográfico deve caminhar com suas próprias pernas. Ou seja: quem tiver tempo, disposição e eventualmente algum talento escreve em casa, durante a madrugada ou nos intervalos de seu trabalho rotineiro até que o roteiro ganhe forma para ser disponibilizado e tentar sua sorte de virar um filme de fato. Da mesma forma como James Joyce não escrevia porque fora contemplado com uma "bolsa para jovens escritores" ou coisa parecida, todo filme deve começar sua jornada pelas próprias pernas e com os recursos de seus idealizadores. Se a idéia que virou roteiro for aceita, depois o dinheiro surgirá. Até lá, o papel e a fita da máquina de escrever correm por conta do escritor. No Brasil, contudo, conseguimos reinventar essa história toda. É possível solicitar e conseguir dinheiro para "desenvolver a idéia": algo como uma espécie de "bolsa miséria" para cineastas com bloqueio criativo ou necessitados de apoio moral. Seria cômico, não fosse feito com o nosso dinheiro. É o assim denominado "desenvolvimento de projeto", uma graninha para transformar a idéia em uma versão mais alongada da mesma idéia, que assim possibilitará, proporcionalmente, conseguir uma quantia maior de dinheiro da mesma fonte novamente: no caso, o Estado. É dessa forma que acabamos todos de virar sócios de Bruna Surfistinha, a célebre ex-prostituta e atual escritora, que terá suas memórias adaptada para o cinema. De modo a diminuir a possibilidade de ter que arcar particularmente com qualquer despesa da empreitada, seus idealizadores conseguiram aprovação oficial para captar quase 300 mil reais em dinheiro público apenas para "desenvolver a idéia". Afinal, pensar com o taxímetro desligado não é para qualquer um. Se a "idéia alongada" virar, de fato, um filme, suas receitas e eventuais lucros serão divididos entre os idealizadores e Bruna, a Surfistinha. Caso a idéia seja abortada ou se revele um fracasso, o prejuízo já está pago pelo Estado e, especialmente, por seus fiadores, os contribuintes brasileiros. Seria necessário pensar em alguma forma de contrapartida a ser exigida de projetos como esse, incapazes de se sustentar antes mesmo de existirem de fato. Uma compensação aos contribuintes pelo valor aplicado à revelia. Um "agrado", digamos assim. Não, no caso de Bruna, a Surfistinha, é melhor não dar idéia não.
|