Lutei comigo mesmo para definir o título deste curto comentário. Quase o chamei de “Carta aberta ao editorialista do Estadão”, mas ficaria comprido e restringiria o alcance o comentário. O equívoco do editorialista é o equívoco de toda a gente pensante no Brasil, mesmo aquela tida e havida por conservadora. Todo mundo entregou os pontos – usando a metáfora futebolística – ao deus-Estado. E, com eles, suas propriedades e sua liberdade. Refiro-me ao editorial do Estadão do dia 15/04 (“Entre o imposto e o sonho”), que começa fazendo uma correta análise da situação brasileira: “Por enquanto vale a seguinte combinação: enquanto o governo desperdiça dinheiro e gasta muito mais do que deveria, o contribuinte suporta uma carga tributária perversa e muito maior que a das outras economias emergentes. Enquanto isso perdurar, muita gente ficará sem oportunidades de emprego e o País crescerá muito menos do que poderia. Quando isso vai terminar ninguém sabe. Se um dia o governo criar juízo, e um sistema tributário moderno, mais leve e muito mais funcional, entrar em vigor, ficará mais fácil empregar pessoas e produzir riquezas. Milhões de brasileiros terão uma vida mais decente”. Este parágrafo contém a máxima verdade que expressa o conjunto das mazelas que atormentam a vida dos brasileiros. Sem reparo algum. Ao mesmo passo em que a exorbitância estatal fabrica miséria e pratica injustiças em larga escala, elimina também em simultâneo a preciosa liberdade econômica, sem a qual as demais liberdades desaparecem. Liberdade política no Brasil é uma reminiscência da memória, visto que a alternância de poder é uma mentirinha, uma alternância entre os membros do mesmo grupo político comprometido com a causa socialista. O que surpreende é que o jornal – ou o seu editorialista – não retira de sua correta análise os corolários necessários. Ao comentar na seqüência que o Governo Federal está negociando e deverá aprovar a prorrogação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), esse monstrengo que é ele mesmo o epítome da nossa tragédia tributária, afirma, em espantosa contradição com o que foi citado acima, que “A CPMF deixará de vigorar, mais uma vez, no fim deste ano, e por isso, mais uma vez, o governo terá de conseguir sua prorrogação. Que seja preciso mantê-la em vigor ninguém contesta. O gasto público não parou de crescer nos últimos 15 anos e não se poderá eliminar o problema em poucos meses. É a chamada situação de fato, lamentável e irremediável a curto prazo”. Ao ler tamanho disparate soltei todo o meu repertório de palavrões, pois a conclusão não apenas nega o exórdio do texto, é ela mesma uma confissão de covardia e impotência, diria mesmo de rendição do jornal ao Estado todo-poderoso. É o espelho da rendição das chamadas classes produtoras, de quem o Estadão sempre se fez porta-voz, a essa caricatura de ordem política que está a viger, caminhando a passos largos para a desordem. Uma ova que a despesa pública não pode cair. Pode sim, e precisa imperativamente que caia. Mas para isso é preciso contrariar os interesses estabelecidos, é preciso fazer discursos em praça pública contra esse roubo institucional que é o sistema tributário nacional, é preciso que os editoriais batam diuturnamente na tecla de que a redução tributária precisa acontecer. De forma nenhuma o crescimento da despesa é um encontro com o destino: ele é a combinação nefasta da maquinação maliciosa dos governantes que se locupletam com os impostos com a covardia daqueles que deviam tomar a defesa do bem público, isto é, denunciar a vadiagem remunerada pelo Tesouro à custa daqueles que trabalham. O editorial do Estadão é o atestado da covardia política que tomou conta das classes pensantes e das classes produtoras do Brasil. Era para os jornais escreveram matérias sobre o desperdício de recursos, a injustiça distributiva, os magotes de brasileiros pendurados em algum tipo de renda pública sem qualquer amparo moral, denunciar os mecanismos jurídicos que permitem esse acinte grotesco, mostrar que a concentração de renda se deve a esses mecanismos espúrios de apropriação dos impostos pelos grupos de pressão. Ao invés disso vemos o servilismo nojento de quem sabe exatamente o que acontece mas não tem a têmpera para enfrentar o monstro que se alimenta e se agiganta a cada dia do suor e do sangue dos brasileiros que trabalham. Meu asco para com a nossa elite nunca foi maior e cresce a cada dia, a cada editorial, a cada edição do Jornal Nacional, a cada discurso eleitoral dos programas políticos, a cada mentira que segue uma notícia verdadeira, negando-a na íntegra. Meu caro leitor, ser roubado pelo Estado para bancar a boa vida dos vagabundos não é um encontro com o destino. Definitivamente! É resultado da ação de homens maus respaldados por homens covardes, cuja simbiose está destruindo o futuro de nosso Brasil. Pelo fim da CPMF já! Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas na FGV-SP.
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