Inicialmente hesitei em transformar um artigo técnico, de minha autoria, em alguma coisa compatível para com o grande público leitor, não especializado no assunto. O risco nessa transformação é omitir dados técnicos importantes. Portanto, perdoem-me aqueles mais versados na matéria, bem como, perdoem-me os menos versados, se houver excesso de termos ou números que possam não entender. Comecemos, então. Pensem bem, o que é melhor, tratar os esgotos sanitários através de soluções individualizadas ou esperar que os governos se sensibilizem, tenham vontade para resolver e verbas para soluções abrangentes? Enquanto se espera, nossos rios e lagos e até mares vão se transformando em "lixeiras" de quantidades fantásticas de esgotos sanitários, via tubulações ou valas fétidas, a transportar altíssimas cargas orgânicas e patogêneses das mais variadas espécies. Até quando nossos corpos d’água, cada vez mais solicitados pela necessidade de nos fornecer águas de boa qualidade, irão suportar a realização de autodepurações ou até quando serão suportáveis os custos, cada vez mais crescentes, de aditivos químicos nos tratamentos d’água, a fim de contrabalançar a má qualidade da água que chega aos tratamentos com a água que sai para as nossas torneiras? Infelizmente, muitos especialistas em tratamento de esgotos sanitários se apegam a preciosismos e soluções, baseadas em processos mais eficientes e abrangentes, porém mais sofisticados e caros, enquanto que aquelas soluções "arcaicas", nem tanto eficientes ou abrangentes, são menosprezadas, obstaculizando, assim, um socorro urgente que já poderia estar sendo prestado, a custo baixo. Este artigo pretende dar uma abordagem sobre tratamento de esgotos sanitários e propor soluções individualizadas (ou setorizadas) que venham a utilizar os coletores de esgotos já existentes, quer sejam tubulações ou valas. Para começar, vamos entender o que é o esgoto sanitário, naquilo que ele traz. A composição clássica diz que o esgoto sanitário é composto de águas de banho, urina, fezes, restos de comida, sabões, detergentes e águas de lavagem de utensílios. Todavia, deve-se levar em conta que, na prática, os hábitos e a própria educação do povo, tendem a sobrecarregar com outras "porcarias" os esgotos, como sejam, papéis nem tanto biodegradáveis, pontas de cigarro, cabelos de todas as naturezas, preservativos, protetores femininos e muitos outros materiais e, principalmente, nos casos de valas, com muitas coisas mais. Dessa forma, defendemos que, no caso de tratamento, seja de que tecnologia for, deva haver uma proteção prévia através de um gradeamento (tela) ou caixa, que funcione como uma armadilha, de sorte que se obtenha um esgoto de chegada em composição a mais clássica possível, isto é, com quase 100% de água e pouquíssimos sólidos, sendo, estes, orgânicos (proteínas, carboidratos e gorduras), e inorgânicos (areia, sais e metais), porque, em realidade, é a totalidade desses sólidos que será tratada. Na decisão do tipo de tratamento é que começam a surgir as polêmicas e é onde me bato pelas soluções de baixo custo e menos abrangentes. As formas de tratamento são diversas e seus nomes técnicos são: digestor de fluxo ascendente; por lodo ativado; por lagoas de estabilização e por fossa séptica (Imhoff ou outra). As comparações são baseadas em eficiência de remoção de carga orgânica; remoção de patogênicos; possível odor; custo de instalação; área necessária; complexidade de operação e manutenção e nos subprodutos resultantes. Se considerarmos a absoluta falta de recursos para implantação, aliada a operações e manutenções caras e complexas; se levarmos em conta que pretendemos tratar esgotos de áreas densamente povoadas e que dispõem de poucos espaços livres, a escolha recairá na nossa "arcaica" solução, que é a fossa séptica ou fossa Imhoff. Não sejamos mais realistas que o rei. Mas o que é fossa séptica? Nada mais que um tanque, em geral cavado no chão e que recebe o esgoto sanitário que nele irá permanecer algum tempo (tempo de residência) e com isso, ali se promoverá uma decantação de sólidos e uma atividade biológica que reduzirá a carga orgânica do esgoto, antes que este siga seu rumo final. Um dos argumentos contra, levantados pelos "inimigos" da fossa séptica, é a limpeza periódica do lodo depositado, mas em todos os outros tratamentos também há sólidos depositados, sendo que, nas lagoas ainda haverá algas que podem trazer outros inconvenientes que ficaria longo comentar. Como contra-argumento, podemos dizer que, devido à quantidade ínfima de sólidos, a quantidade de lodo, para chegar a um grande volume, demandará grande intervalo de tempo para que se realizem limpezas e mesmo assim, grande parte do lodo estará mineralizada e se prestará como excelente adubo. Outro argumento contra é a eficiência baixa de remoção da carga orgânica, cerca de 40%. Neste caso, dependendo da saturação do corpo d’água que vai receber o esgoto tratado, surge uma solução, também barata e que aumentará a eficiência do tratamento para perto de 90%. É o filtro biológico, que tratará o esgoto proveniente da fossa séptica. Essa "solução casada" é a grande novidade para melhorar a eficiência do tratamento e atender um número maior de pessoas. Carlos Minc, deputado pelo Rio de Janeiro, através do Projeto de Lei nº 587/91, já defende essa solução para comunidades de cerca de 460 pessoas. Embora seja citada a redução de 70% da carga orgânica, temos argumentos para afirmar que ela pode chegar a quase 90%. O filtro biológico nada mais é que um "buraco", a ser cavado ao nível do chão e recheado com brita ou outro material sólido. Nesses elementos sólidos, em suas superfícies, haverá a formação de colônias de bactérias que irão se alimentar de matéria orgânica, mineralizando-a. Devido ao reduzido número de pessoas que podem ser atendidas (460), deverão ser construídas, se o número de pessoas for maior, outras unidades em paralelo e a lógica indica que a solução é perfeitamente aplicável a condomínios, hospitais, hotéis, escolas, trechos de rua etc. Mas, para que tudo funcione a contento, o sistema casado fossa-filtro deve ser muito bem calculado, a fim de que o projeto resultante atinja os resultados esperados. Entre os dados do projeto, um deles é interessante conhecer: cada pessoa, em suas necessidades, "força" um consumo médio de 54 gramas por dia de oxigênio das águas para onde são encaminhados os esgotos. Além disso, devem ser levadas em consideração as classes sociais, pois nelas se embutem consumos de água diferenciados. Porém, ainda existem outros dados importantes que deixaremos de comentar, pelos motivos já citados no início deste artigo. Como conclusão, somos de opinião que não podemos ficar esperando soluções tecnológicas mais elaboradas que demandem tempo e grande quantidade de recursos. A solução mais simples, como a apresentada, é um verdadeiro SOS para os nossos já cansados rios e lagos.
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