Quem se lembra do assassinato de Valéria Frota, em Goiânia, cometido por um rico menor de 17 anos? E da morte de Liana e Felipe pelo menor Champinha em São Paulo? Ou da menina Erlane, estuprada, assassinada e queimada, juntamente com Luiz Fernando, em Anicuns, por um menor que completou 18 anos dois dias depois? A revolta que esses crimes suscitaram à época já foi completamente sufocada pela sucessão vertiginosa de milhares de outros crimes bárbaros, centenas deles praticados por menores. Portanto, quando a sociedade brasileira, abalada pelo selvagem assassinato do menino João Hélio, indigna-se com a frouxidão das penas e pede a redução da maioridade penal, não se pode escarnecer de sua justa revolta, tratando-a como "balbúrdia", "retórica do sangue" e "carnaval das respostas fáceis", como fez o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, professor titular da USP e "expert" independente do secretário-geral da ONU. Assinado em parceria com o sociólogo Marcelo Daher, do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, o artigo de Paulo Sérgio Pinheiro, publicado na "Folha de S. Paulo" (10/04 2007), é um repositório de mentiras. Distorcendo os fatos sem nenhum pudor, Paulo Sérgio Pinheiro e Marcelo Daher responsabilizam as próprias vítimas pela crescente criminalidade brasileira, chegando a dizer que todos aqueles que clamam por justiça têm a "mão pesada" e "babam sangue". O que leva um pós-doutor da USP a criminalizar as vítimas de crimes bárbaros, como a família do menino João Hélio, dizendo que elas "babam sangue"? Por que ele faz uma defesa tão apaixonada dos criminosos a ponto de escarnecer da memória de uma criança que foi selvagemente arrastada pelas ruas como um "boneco de Judas", segundo a definição de um de seus algozes? Simples: porque Paulo Sérgio Pinheiro é um rematado exemplo dos ideólogos do crime, travestidos de professores, que imperam na universidade brasileira. A origem de crimes bárbaros praticados com a participação de menores não deve ser buscada apenas nos seus autores materiais mas também nos seus autores intelectuais - a elite universitária brasileira. Cínica e conscientemente, esses intelectuais estão incitando adolescentes e jovens ao crime. Através de teses que transformam todo bandido em vítima da sociedade capitalista, pedagogos, sociólogos, psicólogos, antropólogos, juristas, filósofos e outras bombas morais contribuem diretamente para o aumento da criminalidade no país. Não apenas inspirando uma legislação frouxa que fomenta a impunidade, mas a partir da destruição da própria escola que tornou-se celeiro de criminosos. Não é à toa que o aumento da criminalidade no Brasil coincide com o aumento da escolarização das massas - reforçada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que transformou as escolas em verdadeiras bocas-de-fumo. Praticamente todos os trabalhos acadêmicos sobre indisciplina e violência nas escolas não passam de apologia descarada da criminalidade efetiva ou potencial. Sem combater essa diuturna apologia ao crime promovida pelas universidades - sem exceção - não será possível reduzir a criminalidade no país. Pelo contrário, ela irá aumentar cada vez mais, aprofundando a anomia em que já vive a sociedade brasileira. Ex-secretário nacional de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso e uma das mais destacadas figuras da USP, Paulo Sérgio Pinheiro, um senhor de 63 anos, juntou-se a Marcelo Daher, um jovem de 29 anos, para distorcer fatos a quatro mãos. Acostumados a viajar pelo mundo em vôos de primeira classe, provavelmente pagos em dólar pela ONU, arvoram-se a porta-vozes dos excluídos, vergastando a elite brasileira como se não fizessem parte dela. Causa asco ler o que escrevem. Eles dizem que é nos guetos que "ocorre a maior parte dos crimes violentos", mas "quase sempre essa violência encontra o silêncio e a indiferença como respostas". E afirmam que, "quando uma barbaridade se abate sobre uma vítima fora dos guetos", ocorre uma "cacofonia de repúdio ao crime", referindo-se a João Hélio. A linguagem do artigo de Paulo Sérgio Pinheiro e Marcelo Daher é despudoradamente cínica. Os parentes das vítimas de crimes bárbaros que porventura tenham lido o artigo devem ter-se sentido moralmente chacinadas pelo doutor da USP e seu colega da ONU. Eis o que afirmam: "Nas semanas após o crime bárbaro, muitas chacinas, algumas balas perdidas de revólver de policiais acertam casualmente uma moradora no gueto. Mal são notadas: compaixão e clamor só para vítimas de fora dos guetos". Eles não aventam a autoria das chacinas, quase sempre cometidas por traficantes, mas não hesitam em atribuir as "balas perdidas" aos revólveres dos policiais. Qualquer pessoa que não tenha sido deformada pela USP sabe que o país inteiro ficaria estarrecido com o martírio de João Hélio mesmo que sua família fosse muito pobre. Só quem se deixou animalizar pelo materialismo dialético de Marx - que reduz o ser ao ter - é que consegue escarnecer do desespero das famílias das vítimas, como fazem esses doutores universitários. Na verdade, quem trata com absoluta indiferença a violência entre os pobres é o próprio Núcleo de Estudos da Violência da USP, que Paulo Sérgio Pinheiro fundou juntamente com o sociólogo Sérgio Adorno. É o que se percebe na pesquisa "Conflito e Insegurança Escolar na Zona Leste de São Paulo", realizada por Nancy Cardia, professora da USP, doutora em psicologia pela Universidade de Londres e diretora da Organização Mundial de Saúde. Mesmo diante da criminalidade estarrecedora que assola as escolas brasileiras, Nancy Cardia, que integra o Núcleo de Estudos da Violência da USP, prefere culpar a mídia a propósito da violência que presenciou nas escolas. Diz ela: "A mídia, de um modo geral, ocupa-se em noticiar apenas as ocorrências fatais envolvendo alunos ou funcionários das escolas ou os casos que se referem ao consumo e tráfico de drogas, o que ajuda a proliferar um sentimento de insegurança, nem sempre condizente com as reais condições das escolas. Pois, embora estes tipos de violência estejam presentes nas escolas, inclusive, naquelas investigadas nesta pesquisa, não ocorrem de forma generalizada e nem cotidiana em todas as escolas. Desta forma, relega-se a segundo plano aqueles tipos de violência cotidiana, como as discriminações, que ficam esquecidas do lado de dentro das escolas cercadas por muros e grades". Caro leitor, preste atenção no que Nancy Cardia diz e compare com o que escreveu seu colega Paulo Sérgio Pinheiro. Segundo ele, a mídia só se sensibiliza com os crimes que ocorrem fora dos guetos, entre as pessoas de classe média. Mas sua própria colega, Nancy Cardia, o desmente e prega o contrário: segundo ela, a mídia noticia em excesso a violência que ocorre nas escolas da periferia de São Paulo e deve parar de fazer isso. Mais grave é que Nancy Cardia condena a imprensa por noticiar "as ocorrências fatais envolvendo alunos ou funcionários das escolas ou os casos que se referem ao consumo e tráfico de drogas", porque, segundo ela, "não ocorrem de forma generalizada e nem cotidiana em todas as escolas". Ou seja, nos neurônios ensandecidos dessa gente da USP o "consumo e o tráfico de drogas" e as "ocorrências fatais" nas escolas só devem preocupar a sociedade, tornando-se notícia, se ocorrerem todos os dias e em todas as escolas. É possível maior banalização da violência? Esse é o verdadeiro genocídio dos pobres. Patrocinado pela USP em parceria com a ONU. Nota do autor: A parte inicial deste artigo, publicado no "Jornal Opção", de Goiânia, em 15 de abril de 2007, integra a palestra apresentada por mim, em audiência pública, na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, na manhã de quinta-feira, 12 de abril último, no Plenário 6 do Anexo 2 da Câmara dos Deputados, a convite do deputado federal João Campos, do PSDB de Goiás, presidente da comissão. A audiência tratou das "ações do Estado brasileiro relativas a projetos de implementação de medidas socio-educativas ao adolescente em conflito com a lei". Também foram palestrantes na audiência pública os seguintes convidados: Carmem Silveira de Oliveira, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; Mário Volpi, oficial de Relações Internacionais do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); Márcio de Oliveira, vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Adolescência, e Francisco Sadeck, assessor de política fiscal e orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos. Nota do Editor: José Maria e Silva é jornalista e sociólogo.
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