Era manhã de setembro com céu azul. Um a um foram chegando. Eram meninos travestidos de gente grande. Percebia-se no olhar assustado ou numa daquelas corridelas que se dá enquanto criança. Meninos grandes. Apenas. Entre eles estava o Vica, um dos grandes beques do Atlas. Foi ídolo da Ferroviária na década de 80. Rei do Maracanã com o bi-campeonato carioca do Fluminense das Laranjeiras. Mas isto era menor naquele momento. O Estádio Municipal, ainda municipal, foi, naquele átomo de tempo, o espaço sagrado de futebol para o Vica. No jogo de confraternização do ano passado, o jornalista Wagner Belinni foi entrevistá-lo antes da partida e a resposta foi: - Entrevista só depois do jogo. Então, é prova cabal, nos autos do coração, que esta partida reunia o germe sagrado que os fez grandes. Bem, voltemos aos momentos antes do jogo. Todos reunidos e sentadinhos ali na arquibancada, como meninos grandes e ansiosos. Também houve torcedores, como o Dr. José Wellington Pinto, que explicava as raízes da cidade, a história do Municipal, o bairro do Carmo. O papo se encaminhava para a política, mas resolvemos que o jogo era melhor e continuamos falando de futebol. Ai, lá longe, vem chegando um outro menino, meio franzino, devo dizer. Ninguém notou muito. Entrou quietinho, cumprimentou um, depois o outro e mais outros. Num dado momento autografou uma camisa do São Paulo Futebol Clube para um outro menino, acompanhado do pai. Era o centroavante do time do Zé Lemão, o Colorado. Ali era menino. Um menino grande. Antônio de Oliveira Filho, o Careca, campeão brasileiro pelo Guarani em 78 e dali para o São Paulo, a Seleção do Brasil, o Nápoli, Japão, Santos e, de volta para Araraquara. Finalmente, Careca, o mito, voltara a Araraquara. Sempre veio, mas vir, de vez, foi dessa. Vestiário, arrumações, sorrisos nervosos de meninos grandes. Antes do jogo, uma reunião dentro do campo sem holofotes, sem políticos, sem política. O Pedrinho Renzi, sociólogo e escritor araraquarense, falou emocionado recitando um Pai Nosso adaptado ao jogo, às pessoas, aos craques. Grande craque este Pedrinho da fraternidade. Num determinado momento lá naquele espaço-tempo olhei o Careca chorando baixinho. Seria ansiedade daquele menino do Colorado para enfrentar o Atlas ou apenas a emoção pura, essencial, aflorando ao ver tudo e todos ali? Ninguém nem nunca vai saber. Aí, o jogo. Um a zero para o Colorado. O gol foi do Careca - Sorte de principiante - diria ele. Depois, churrasco atrás da arquibancada do velho Municipal. Cerveja pra lá, caipirinha pra cá, um abraço apertado, o sorriso estampado. Foram meninos outra vez. Cada um na sua. Mas todos, com a certeza: quando eu crescer, vou ser jogador de futebol. Nota do Editor: Rodrigo Viana é jornalista, cursa mestrado em Estudos Literários na Unesp de Araraquara onde analisa os elementos literários na crônica esportiva impressa. Trabalhou na Folha de S. Paulo, Tv Globo, SBT, Band e participa, às vezes, de debates esportivos resgatando ídolos do passado. Começou sua carreira treinando para o Tonhão, técnico do Bangú, no bairro Santana, onde guarda suas raízes. Depois foi jogador das categorias de base da Ferroviária por vários anos, onde seu apelido era "bigodinho". Seu técnico e mentor foi o saudoso Washington Luís da Silva, o Tota.
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