A mais nova falácia econômica na praça, defendida com energia, bravura e elevadas doses de imaginação por onze de cada dez economistas e jornalistas esquerdistas, prega que os tais programas de transferência involuntária de renda, tipo Bolsa-Família, Cheque-Cidadão, LOAS etc., teriam o efeito de "turbinar" o crescimento da economia, através do aquecimento do consumo de baixa renda. Recentemente, durante a inauguração de uma nova fábrica da Nestlé no Nordeste, o presidente Lula também defendeu o disparate, argumentando que o investimento da multinacional suíça naquelas plagas nordestinas só teria sido possível graças ao aumento da renda e, conseqüentemente, da demanda na região, aumento este derivado da expansão do programa Bolsa-Família e das aposentadorias do setor rural. O raciocínio (mais uma das muitas corruptelas da teoria keynesiana) parece, em princípio, bastante lógico e consistente, no entanto, como diria o grande Bastiat, ele está baseado somente naquilo que se vê e desconsidera todos os efeitos que permanecem ocultos, bem como os de longo-prazo. O primeiro ponto a destacar é que crescimento econômico é sinônimo de geração de novas riquezas, algo só possível com novos investimentos (uma máxima econômica tão óbvia que nem mesmo os socialistas já ousaram negar). Todo e qualquer investimento, por seu turno, tem como pressuposto básico a formação prévia de poupança, cuja origem está na abstenção voluntária do consumo por parte de alguém, seja ele o próprio investidor ou terceiros. Num certo exagero retórico, Alfred Marshall chegou a dizer que o consumo poderia ser considerado como "produção negativa". Pois bem, tomemos o caso da famigerada unidade de produção da Nestlé na Bahia como exemplo. Sua implantação requereu, antes de mais nada, a realização de capital para o respectivo investimento que pode ter sido obtido de três formas distintas, porém não excludentes: 1. Lucros anteriores - e não distribuídos - da própria empresa (poupança de antigos acionistas); 2. Captação de recursos no mercado de capitais (poupança de novos acionistas); 3. Captação no mercado financeiro (poupança de terceiros). O importante a destacar aqui é que a existência e disponibilidade dos recursos alocados no investimento pela Nestlé não guardam qualquer relação, direta ou indireta, com os programas assistencialistas do governo, cuja influência, no caso específico, se deu única e exclusivamente em relação à escolha do local da nova planta, já que pesquisas de mercado muito provavelmente detectaram alguma demanda reprimida naquela região. A economia é chamada "ciência da escassez" justamente porque os recursos disponíveis são limitados, enquanto os desejos e necessidades são ilimitados. Dessa verdade, deriva que se não podemos ter tudo o que queremos ou precisamos e estamos forçados, constantemente, a fazer escolhas. Quando a Nestlé utiliza recursos para construir uma fábrica na Bahia, outro(s) investimento(s), desta ou de outra(s) empresas deixa(m) de ser realizado(s). Chama-se a isto de "custo de oportunidade". Em outras palavras, o custo de determinado investimento "X" equivale ao de outro(s) que poderia(m) ter sido realizado(s) - utilizando a mesma poupança - mas não foram, em virtude da escolha "X". Entender este conceito é importante para que possamos inferir algumas outras coisas. Em primeiro lugar, como já foi dito, outro(s) investimento(s) deixaram de ser realizados para que a Bahia ganhasse uma nova fábrica. Quem sabe alguma outra indústria em São Paulo, um novo shopping no Rio de Janeiro, algumas escolas em Pernambuco ou um conjunto residencial em Porto Alegre? Não importa. O certo é que aquele mesmo capital estaria, agora ou em algum momento do futuro próximo, gerando riquezas - e trabalho - de alguma outra maneira, na Bahia ou alhures. O segundo ponto, este quase sempre negligenciado pela maioria dos opinantes esquerdistas, está relacionado ao efeito altamente recessivo dos programas de transferência de renda - ditos sociais. Estou falando, especificamente, de uma parcela da poupança dos brasileiros que tem se transformado em consumo, no lugar de seguir o seu caminho natural de gerar investimento. Vamos supor, apenas para efeito de raciocínio, que Paulo seja um cidadão de classe média baixa, cujo salário mal dá conta de suas próprias necessidades. Entretanto, com grande sacrifício e esforço ele consegue poupar todo mês uma pequena parte do que ganha para no futuro comprar a casa própria. Imagine agora que um novo governo tomou posse e, para realizar as promessas de campanha, especialmente a de distribuir renda, tenha implementado um aumento na carga tributária do país de, digamos, 5%. Este aumento - que atingiu Paulo em cheio em função da redução do limite de isenção do IR - conjugado com o aumento generalizado dos preços que ele desencadeou, tornou impossível a Paulo continuar a sua poupança mensal, forçando-o, ademais, a cortar alguns itens de consumo. Imaginemos ainda que todo o dinheiro tirado, coercitivamente, da família de Paulo pelo governo seja repassado à família de Pedro (relembro que falamos apenas hipoteticamente, já que, na vida real, boa parte ficaria retida para pagar as despesas de custeio do próprio governo), beneficiária da "caridade" pública que o consumirá por inteiro. Temos então a seguinte situação: dos recursos tirados de Paulo por este ente magnânimo e benemerente que é o Estado, uma parte deixou de ser consumida por sua família e outra deixou de ser poupada. Na outra ponta, os recursos destinados à família de Pedro serão integralmente consumidos. Se a transferência de renda aumentou o consumo agregado na Bahia, onde mora Pedro, ele provavelmente diminuiu no Rio de Janeiro, onde mora Paulo. O incremento da demanda por laticínios e biscoitos no Nordeste é semelhante à redução da demanda por calçados, camisas ou qualquer outro item, no Sudeste. Se, por um lado, a Nestlé criou alguns empregos na Bahia, a Alpargatas pode ter demitido funcionários em São Paulo, bem como a Hering em Santa Catarina. Lembram-se do custo de oportunidade? Em termos econômicos, o aspecto mais terrível desta estória, no entanto, não está na alteração dos padrões de consumo mas no fato, extremamente pernicioso, de que uma parte da poupança privada foi apropriada pelo governo e transformada em consumo, freando novos investimentos e, conseqüentemente, o crescimento. Defender os programas de transferência involuntária de renda como socialmente necessários, ainda que possamos discordar em seus aspectos morais, é uma coisa. Agora, dizer que estas iniciativas são economicamente producentes e vantajosas é um pouco demais. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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