O desemprego afeta a forma de ser dos indivíduos
Todo dia Antônio acorda pensando se seu dia será diferente amanhã. Mesmo com medo de enfrentar mais um dia de frustrações e rejeições, não desiste, afinal, as contas para pagar só aumentam e o dinheiro que havia garantido em sua demissão, só diminui. O desemprego pegou Antônio de surpresa, após 20 anos de trabalho em uma mesma empresa, não esperava sua demissão. No início parecia fácil, mas com o tempo, não sabia o que fazer com o tempo livre, e começou a trocar o dia pela noite. Sentindo-se um estranho dentro de sua própria casa, vivendo situações antes inimagináveis, passou a se sentir sozinho e deslocado. A vida social tornou-se um problema e Antônio não sabe mais responder ao questionamento de sua família. É muito difícil enfrentar uma sociedade que julga de maneira negativa o desempregado. Todos nós crescemos ouvindo que ‘o trabalho enobrece o homem’, que ‘vagabundo é aquele que não trabalha’, e que ‘só não trabalha quem não quer’, e com Antônio não foi diferente. A temática da marginalização acompanha o desempregado que tem no tempo seu maior desestabilizador, pois quanto mais o tempo passa, mais difícil retornar ao mercado de trabalho, mais difícil ser aceito nas entrevistas de recrutamento, mais fácil ser rejeitado, mais fácil se sujeitar a qualquer trabalho mal remunerado, mais fácil à família desistir e principalmente os amigos se afastarem. Nos caminhos tortuosos da compreensão que o desemprego exige, Antônio tenta compreender o que se passa, porque se sente estranho e porque todos vêem de forma banal seu sofrimento. O problema é que o desemprego não tem data de término, e Antonio não sabe quanto tempo vai durar, o futuro para ele é uma incógnita e a espera só o fragiliza. A partir do momento em que o sujeito está desempregado e quer retornar ao mercado de trabalho, suas aflições passam a ser muita. Às vezes o medo, às vezes a culpa, às vezes a angústia. Esses são os sentimentos que se misturam no dia-a-dia de Antônio. O medo é o de não conseguir restabelecer-se. A culpa por se sentir responsável pela perda do emprego, a angústia por não saber como será o seu amanhã. Antônio busca constantemente compreender a demissão, sempre se perguntando: Onde foi que eu errei? É natural buscar razões e motivos para o ocorrido. Quase sempre, quando fazem um balanço de sua história profissional, tendem a culpar-se e a responsabilizar-se pela perda do emprego. Falar sobre isso é falar sobre algo tão importante que pode alterar o modo de relação do sujeito consigo, com sua vida e com os outros. O desemprego afeta a forma de ser dos indivíduos, as estruturas familiares e sociais. Os trabalhadores demitidos estão diante da ruptura de uma história, questionam-se sobre seus valores, sobre seu futuro, sobre suas vidas. A perda do emprego pode representar para o sujeito não uma, mas inúmeras perdas e rupturas. A história de Antonio é como muitas outras histórias, de luta e sofrimento. O caminho não é tranqüilo, lidar com o desemprego é sofrer constantes feridas e cicatrizações. Ter que se refazer é o que constantemente tem que se fazer para enfrentar mais um dia. Isso me lembra o próprio Mito de Fênix, ave mitológica que tem o poder de se reproduzir sozinha, após atear fogo em si própria, renasce das suas próprias cinzas. Enquanto isso... As exigências do mercado, cada vez maiores, e a fragilidade do sujeito, cada vez mais afetada com o passar do tempo, faz com que os sujeitos questionem-se sobre suas capacidades. O caminho da aceitação parece depender cada vez mais de situações alheias à vontade dos profissionais que estão em busca de um novo emprego. Precisam ser escolhidos e dependem de um olhar avaliativo para isso. O desempregado, já fragilizado, tem que se deparar com as situações de seleção e avaliações. Isso se complica quando o profissional sente-se, por exemplo: “velho demais”; ou sem uma exigência constante do mercado, como “seu inglês é fluente”? Além disso, como não considerar um agravante: o tratamento que as empresas e os recrutadores dentro das empresas oferecem aos desempregados? A maioria dos profissionais que está desempregado reclama do tratamento que recebe nas entrevistas de emprego, muitas vezes relatando histórias de humilhações, desrespeito e preconceito. Nota do Editor: Laura Marques Castelhano é Graduada e Mestre em Psicologia pela PUC/SP, com aperfeiçoamento em Psicologia Clinica e Psicologia Social. Atualmente coordena as atividades de pesquisa e desenvolvimento da ONG Amigos do Emprego. Durante seis anos, trabalhou em uma consultoria francesa especializada em gestão de carreira e processos de reestruturação, acompanhando profissionais demitidos dos processos de reestruturação das empresas.
|