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Crônicas
28/04/2007 - 10h19
Dentes & fantasias
Moacyr Scliar - Agência Carta Maior
 

É muito significativo que um dos grandes vultos da nossa história seja conhecido mais pelo apelido do que pelo nome, Joaquim José da Silva Xavier. Porque o apelido, Tiradentes, remete a uma das fragilidades da condição brasileira, a dentadura. À exceção dos índios, os brasileiros, sobretudo brasileiros pobres, sempre foram ruim de dentes, por causa da falta de cuidados e também em função de uma dieta na qual muita coisa podia faltar, mas não açúcar (afinal, era um jeito de adoçar a vida). A cárie dentária e as doenças gengivais destroçavam dentaduras. Extrair dentes era rotina, realizada nas condições mais precárias possíveis, sem anestesia e com instrumentos grosseiros. Além da extração, o que se podia fazer era obturar cavidades, com amálgama de mercúrio, medida hoje objeto de fortes críticas.

Nenhuma espécie castiga tanto os seus dentes quanto a espécie humana. Cavidade habitualmente fechada, a boca pode funcionar como uma verdadeira incubadora para os micróbios causadores da cárie, que ali encontram as condições ideais: temperatura adequada, umidade e, sobretudo, os nutrientes, representados pelos resíduos alimentares não removidos pela escovação.

Cuidar dos dentes dá algum trabalho. Além disso, os seres humanos sempre tiveram uma relação ambivalente com os seus dentes. São parte de nossa anatomia, mas são entidades com evidente caráter simbólico - e agressivo: os incisivos cortam, os caninos furam, os molares moem. Estamos falando de alimento, claro, mas às vezes os dentes são usados em brigas contra pessoas. E, na gíria, "morder" significa obter dinheiro mediante a audácia, a insistência. "Agressivos", os dentes são olhados com agressividade. E aí a gente entende aquela fantasia que não é rara em homens com dificuldades sexuais: a fantasia da vagina dentata, segundo a qual mulheres teriam, na vagina, ocultos dentes prontos para despedaçar o pênis, punindo-o assim pela invasão. Aliás, no folclore medieval o inferno também era às vezes representado como uma boca sombria, armada de dentes aguçados.

Não é de estranhar que, no passado, a extração dentária tenha sido vista como coisa benéfica. Mesmo porque durante muito tempo vigorou, em medicina, a teoria do foco infeccioso, segundo a qual poderiam existir, no organismo, redutos de micróbios que provocariam efeitos danosos a distância. Não foram poucas as pessoas que, sofrendo de dor de cabeça crônica, tiveram seus dentes, considerados focos infecciosos, extraídos. Removidos, estes dentes podiam ser substituídos por dentaduras postiças que, mergulhadas num copo d’água, tinham lugar privilegiado nas mesas de cabeceira. Ou então eram revestidos de ouro, o que conferia à pessoa um status especial. Era comum pais darem de presente às filhas um dente de ouro. E há um personagem de Nelson Rodrigues que coloca ouro em toda a dentadura, coisa de que se orgulha muito.

Conclusão: a odontologia evoluiu muito desde a época de Tiradentes. Libertou-se dos erros, dos equívocos. Só falta, agora, que nos libertemos de nossas obscuras fantasias. Aí seremos felizes para sempre. E os nossos dentes, também.

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