Era uma manhã calma e alegre na floresta; o sol se interpunha por entre as frestas das folhas dos arvoredos. As borboletas firulavam por entre os troncos maciços e imponentes dos jacarandás. A grama ainda estava umedecida pela bruma da noite. Próximos ao riacho, estavam o sapo, o grilo e a coruja mais sábia das redondezas. Ali se fazia uma reunião, que acontecia pontualmente quando a grande pedra estava tomada pelos raios solares. A discussão era sobre a escuridão que iria atingir a floresta e todos os seus moradores. A escuridão, vez ou outra, fugia do vale das sombras para levar os encantos de alguém. As carpas deixaram de serpentear pelas nascentes, e os sagüis desde então se tornaram tristes. E agora, era a vez dos pássaros, os mais valentes de todo o bosque. Enquanto a cúpula decidia o que fazer, chegaram o beija-flor, o rouxinol, a arara e o bem-te-vi. Alegres e arabescos, se mostravam despreocupados com a presença da escuridão, que naquela noite os deixaria sem voar. Pareciam saber a fórmula mágica para contê-la. Disseram que era preciso que todos permanecessem unidos, como se fossem um único ser. A coruja de pronto discordou, achando melhor que somente os pássaros tomassem da doce poção encantada, feita pelos extintos duendes e hobbits que residiram ali anos atrás. O grilo sugeriu que eles fugissem para o reino mais próximo, que ficava ao leste da floresta. A tarde ia esvaindo-se calmamente. O sol abençoava e se despedia de todos. A lua chegava para iluminar as trilhas. Até o vento sussurrava alguns conselhos. E então todos os bichos se afugentaram. Com exceção dos pássaros, que permaneciam corajosos perante o perigo. Juntos, decidiram enfrentar a escuridão. Foi quando repentinamente ela surgiu. Avassaladora, uivante e feroz. Passava por cima de tudo o que estava a sua frente. Os pássaros se dispersaram, tentando confundi-la. Mas com uma voracidade assustadora, ia dilacerando as asas de todos, um a um, sem piedade. Alguns sobreviventes ficaram encurralados entre a grande palmeira e a cachoeira, próxima ao lago. Entre eles estava agora um atônito beija-flor, que não acreditava que seus amigos não foram ajudá-los. Com toda a razão, achava que mais cedo ou mais tarde aquela floresta estaria tomada por demônios obscuros. A coragem ainda permanecia viva dentro do pequeno coração do beija-flor. Suas asas batiam mais aceleradas do que nunca. Sua vontade de viver era enorme, apesar do fio de esperança. No fundo, ele estava disposto a enfrentar este desafio, pois acreditava em si próprio para vencer aquela difícil batalha. O beija-flor a essa altura já estava sozinho, ímpar e único. Sua única defesa era o brilho que mantinha nos seus olhos. De repente, abre-se um clarão na mata e todos saíram curiosos para ver o que estava acontecendo. Assustada, a escuridão ficou estremecida. Ela percebe o quão forte é aquele bicho. Sua volúpia acaba por contagiar a todos na floresta. O grilo, o sapo e a sábia coruja agora estavam juntos, com todos os outros animais. Era o que faltava para vencer os males que vinham das sombras. Desfez-se então todo o mal que rondava aquela região. Alguns anjos desceram e ressuscitaram todas as vidas perdidas não só naquele dia. Assim as carpas voltaram a nadar nos rios e os sagüis puderam enfim voltar a ser alegres. Fez-se a festa na floresta. As abelhas-rainhas recolhiam todo o mel disponível para o banquete. O sol nascia detrás dos rochedos, clareando toda a floresta. Durante a festança, todos estavam curiosos para saber o que tinha feito o beija-flor para espantar de vez a escuridão. Ele apenas respondeu que seu puro coração palpitava coragem, e que só pensava em como proteger a vida de todos na floresta. O brilho dos seus olhos se expandiu e venceu o espectro negro... ...E então não só os pássaros, como toda a floresta, voltaram a sorrir... Nota do Editor: Renan Oliveira é jornalista carioca, formado pela Facha. Atualmente cursa Radialismo e trabalha na Assessoria de Imprensa da Biblioteca Nacional. Já trabalhou nas assessorias da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e também no Instituto Benjamin Constant. É criador e editor do blog Até o Ponto Final, onde publica semanalmente suas crônicas e poesias.
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