Quando sugiro desmontar o atual modelo educacional, sei que não estou propondo uma novidade. Mas gosto de somar com meus companheiros visionários, que acreditam na possibilidade de construir, não um "ensino de qualidade", como propõem demagogicamente as escolas particulares, mas um ensino real, palpável e, acima de tudo, um ensino liberador das mentes prisioneiras. As críticas que recebo dos "doutores" também não são nada originais, infelizmente. Nenhum deles parece preocupado com o fato de que o atual modelo de ensino - do qual eles, doutores, são os expoentes - não está contribuindo na formação de uma humanidade melhor. Talvez a universidade forme técnicos melhores do que formava três ou quatro décadas atrás, mas não forma espíritos melhores. A humanidade está melhorando, sim, está cada vez mais consciente de seus direitos e deveres. Está aprendendo a ser livre, sim! Mas não é a escola a principal fonte desse aprendizado. Entre as várias fontes desse conhecimento, creio que a escola fica em 3º ou 4º lugar. Conheço instituições acadêmicas que simplesmente não suportam os espíritos livres. Ou o cidadão adapta-se ao sistema - cada vez mais cartesiano, apesar de sua roupagem "holística" ou "transdisciplinar" - ou toda a corporação dos medíocres arvora-se contra ele, negando-lhe os elementos básicos para que se sinta confortável em sua cadeira. O sujeito não agüenta a pressão e vai cantar em outra freguesia, com toda razão. Por que desperdicçar seu talento entre os medíocres? E os alunos, que chegaram em busca do fantástico universo do conhecimento, já no segundo ano começam a dar mostra de stress e decepção. Aquele que poderia "abrir as portas do conhecimento" foi escorraçado. A opção do aluno é adaptar-se e passar os anos seguintes xerocando pedaços de teses para a formação de sua sopa cultural. Devo admitir que sou um educador frustrado, um professor sem alunos. Vivi durante 12 anos em diversas instituições de ensino, em busca de um diploma que me permitisse dar aulas. Foi tempo suficiente para compreender o funcionamento do sistema universitário, mas não tive a sorte de obter o almejado diploma. Numa das últimas tentativas, deixei a sala de aula para entrar numa guerra política, que resultou na queda de um reitor corrupto. Colocamos em seu lugar o nosso escolhido, um homem "honesto e competente", e vimo-lo cometer, nos oito anos seguintes, os mesmos erros de seu antecessor. Entupiu o campus com novos cursos e novos edifícios - na esfera pública é preciso obrar para poder roubar - mas não criou as condições necessárias para transformar a jovem universidade em algo mais sofisticado que um velho colegião de 2º Grau. O que aprendi, nesse árduo caminho, é que não preciso da academia para ser um bom profissional. E muito menos para ser uma pessoa realizada. Eu combato a academia desde o telhado até as suas fundações, por isso não me venham os doutos choramingar pelos seus salários miseráveis. Seu salário tem o tamanho de sua coragem em enfrentar os governos que os pagam! Também compreendi o que era a minha busca original, o meu sol, o meu tesouro, que procurei insanamente nos frios livros técnicos, na voz vacilante dos mestres e nos corredores gelados das faculdades: eu buscava amor, acredite. Não apenas o amor físico, nas inúmeras garotas pelas quais me apaixonei e junto às quais raramente alcancei algum êxito. Eu buscava o amor, complexo vitamínico, veneno, afrodisíaco que faz o homem enlouquecer na busca de si mesmo. Eu queria conversas sobre a possibilidade real de transformar este mundo de reis e súditos num reino de homens e mulheres, todos merecedores de respeito e de oportunidades. Mas os professores tinham a sabedoria cristalizada, inequívoca, um medo imenso de dizer uma bobagem, de sair dos trilhos, de fugir ao currículo, portanto, nenhuma palavra sobre possibilidades. Lembro de certa ocasião em que uma professora afirmava ser o homem a única criatura capaz de produzir cultura. Citei o caso de um pássaro que aprendeu a lançar uma mosca na corredeira e vai pela margem à espreita do peixe que virá comer o tal inseto. Eu disse "isso é cultura". "Mero instinto", respondeu a professora, e então era assim, a verdade feito pedra, que os estudantes têm tanta dificuldade em engolir! Por isso tantos acabam desistindo. Na tal faculdade, é comum ver turmas de último ano com somente dois ou três formandos. Se a reitoria tivesse a esperteza de disponibilizar um grupo de psicólogos, não para aconselhar, mas para ouvir as queixas dos estudantes, com certeza a realidade dessas pessoas mudaria radicalmente. Mas isso não é importante para quem está cultivando "o meu mestrado!", "o meu doutorado!!", "a minha pós!!!". OBS. É claro que existem doutores, mestres e até peagadês capazes de abarcar com um olhar as vastidões do espírito, e que também lutam pela liberação das almas aprisionadas. Nunca vi um destes reclamar de uma crítica. Eles sabem o que são, sabem a grandeza do cérebro que cultivaram e também sabem a miudeza de sua estatura na amplidão do cosmo. Nunca vi um destes sair por aí falando do "meu doutorado!", "meu mestrado!!", "minha pós!!!".
|