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Opinião
14/05/2007 - 10h11
Anistia fiscal
João Luiz Mauad - MSM
 
Ação necessária, ou medida perigosa?

O jornalista Lauro Jardim, da Revista Veja, informou há algum tempo que o senador "Delcidio Amaral apresentará no Senado um projeto de lei destinado a fazer barulho. O projeto, escrito pelo advogado Ricardo Tosto, anistia aqueles brasileiros que possuem bens não declarados no exterior, incentivando-os a legalizá-los e a trazê-los de volta ao país. Estima-se que 100 bilhões de dólares de brasileiros flutuem no exterior. Pelo projeto, bastaria apresentar à Receita uma declaração retificadora, pagando 5% do valor declarado". Conforme a mesma fonte, "diversos países já aprovaram leis semelhantes: a Itália (que repatriou 63 bilhões de dólares), a Alemanha, o México e a Espanha. Neste mês, começa a vigorar uma lei assim até nos EUA, onde 13% do valor declarado será recolhido ao Leão de lá".

Esta foi uma idéia que esteve muito em voga anos atrás, especialmente quando o país sofria para honrar os pagamentos da dívida externa. Em princípio, tal iniciativa pode até parecer conveniente, mas deveria ser melhor analisada antes de implementada. A meu ver, são três os aspectos mais importantes a abordar: (1) Eficácia; (2) Ética e Justiça e (3) Oportunidade econômica.

A eficácia de qualquer lei é critério fundamental para a sua aprovação ou rejeição. Trata-se, em resumo, de verificar se os objetivos pretendidos pela norma legal são relevantes, necessários e viáveis de serem alcançados.

A matéria da revista informa que medidas semelhantes já teriam sido implementadas em outros países, mas não esclarece se os resultados alcançados estavam dentro das expectativas do legislador. Até onde eu pude averiguar, não existe qualquer estimativa confiável acerca do volume total desses "capitais" mantidos por brasileiros fora do país. Fala-se em US$ 100 bilhões, 200 bilhões e até 400 bilhões. Há números para todos os gostos e qualquer aposta seria arriscada. Por outro lado, é impossível avaliar, com algum grau de certeza, se os donos desses recursos concordariam em correr os riscos inerentes à operação. Por mais que a lei estabelecesse (no que eu não acredito!) que o pagamento da multa implicaria no perdão total de todos os crimes correlatos, na cabeça de muita gente isso seria o mesmo que manter, dali para frente, um fiscal de rendas permanentemente de olho sobre si. Recordo dos muitos bilhões que descansam, até hoje, nos cofres do Tesouro, referentes a depósitos "ao portador", congelados pelo Plano Collor e que nunca foram reclamados pelos respectivos donos, ainda que a lei permitisse o seu resgate, bastando, para tanto, a declaração formal de propriedade e o pagamento da multa. Em suma, muitos preferiram perder tudo a ter que dar as caras.

Quanto aos aspectos ético-jurídicos, antes de mais nada é importante salientar que a manutenção de "capitais" fora do país não é proibida. Qualquer pessoa, física ou jurídica, que deseje ou necessite manter recursos no exterior pode fazê-lo, bastando que os declare e pague os impostos incidentes. Com efeito, a existência de bens "expatriados" cuja existência é sonegada ao fisco decorre de dois fenômenos básicos: ou é bufunfa de origem criminosa (leia-se: corrupção, contrabando, tráfico, fraude em importações etc.), ou objeto de sonegação pura e simples. No primeiro caso, mesmo que a anistia não fosse estendida aos crimes extra-tributários, ela traria consigo a possibilidade absurda de vermos uma lei pátria transformar-se em mecanismo de lavagem de dinheiro - bastante barato, diga-se de passagem -, já que, presume-se, quaisquer "capitais" que não fossem objeto de investigação prévia, poderiam ser "regularizados" e passariam a ter livre trânsito no país.

No segundo caso (capitais provenientes de sonegação), a concessão da anistia seria ao mesmo tempo um prêmio aos sonegadores e um acinte (senão uma punição) a todos aqueles que, malgrado a elevadíssima carga tributária do país, fazem das tripas coração para honrar os seus compromissos com o fisco. O Estado de Direito tem como pressuposto fundamental a igualdade de todos perante a lei. Em outras palavras, a lei deve ser rigorosamente igual para todos. Não é outra a razão por que os melhores tributaristas consideram as anistias fiscais - com exceção daqueles casos específicos previstos no CTN, tais como erro ou ignorância perdoável quanto à matéria de fato, diminuta importância do crédito tributário ou condições peculiares e circunstanciais do sujeito passivo da obrigação - tão injustas quanto contraproducentes, uma vez que, além de dar tratamento desigual aos iguais, ainda criam incentivos errados, pois favorecem sonegadores e punem os bons contribuintes.

Por último, a matéria deve ser analisada sob o ponto de vista da oportunidade, especialmente em função das conseqüências econômicas que ela tenda a acarretar. Imaginemos, apenas para efeito de argumentação, que o volume de recursos repatriados atingisse o total estimado pelo senador Dulcídio. Estamos falando de algo em torno de US$ 100 bilhões. Supondo que a grande maioria resolvesse trazer seus "capitais" do exterior (digamos uns 80%). Neste caso, estaríamos falando da oferta aproximada de US$ 80 bilhões de dólares no mercado, num prazo relativamente curto. Ora, esse valor é quase o dobro do superávit comercial previsto para o ano de 2007, e os efeitos imediatos dessa super-oferta de dólares seriam dois: o primeiro sobre a taxa de câmbio, que seria empurrada fortemente ladeira abaixo, e o segundo sobre a inflação, já que haveria uma derrama repentina de aproximadamente R$ 160 bilhões de reais (dinheiro novo) na economia.

Imediatamente, o Banco Central seria impelido a intervir, não apenas para enxugar o excesso de moeda mas também para tentar segurar a queda do câmbio. A única forma de fazer isto seria através do aumento da taxa de juros e da oferta de títulos, o que faria subir vertiginosamente a dívida pública e os gastos financeiros do governo, sem falar do efeito recessivo da taxa de juros. Macroeconomicamente, não há dúvida de que este seria o pior dos mundos. Tudo o que o pessoal do Banco Central não gostaria que acontecesse. Junte-se a isso o fato de que, ao contrário do que havia no passado recente, o país dispõe hoje de excesso de reservas (na verdade o setor público é credor em moeda forte), cujo custo de manutenção já é bastante elevado.

Resumindo, nas atuais circunstâncias esta lei é absolutamente desnecessária, ética e juridicamente absurda e, last but not least, seus efeitos econômicos provavelmente seriam catastróficos. Como estamos no Brasil, entretanto, não duvido nada que um tal disparate possa vingar. Quem viver, verá!


Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

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