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Crônicas
15/05/2007 - 07h16
O papa-imóvel
Chico Guil - Agência Carta Maior
 

Jesus Cristo deveria saber o que estava fazendo quando disse ser necessário perdoar setenta vezes sete. O perdão é como uma chuva, que lava todos os rancores, rejuvenesce o corpo e o espírito e manda para longe uma porção de doenças.

Embora se arrogue o direito de representar Jesus na Terra, a Igreja Católica não perdoa nenhuma vez... ainda que Cristo dissesse ser necessário perdoar quatrocentas e noventa vezes! Ele queria dizer “perdoe sempre, pois perdoar faz bem para você e para o perdoado”. Se a igreja não perdoa um casal desesperado e infeliz, como pode considerar-se delegada de um homem tão bom e sensato, como dizem ter sido Jesus Cristo?

Do que é que estamos falando? A mídia andou discutindo se o chefe da igreja disse que “o segundo casamento é uma praga” ou uma “chaga”. Os que se casam pela segunda vez continuam correndo atrás da felicidade, sua e dos filhos, como qualquer cidadão filho de Deus. A mídia deveria antes perguntar “por que o chefe da igreja não perdoa?”. Por que se acha capaz de determinar o que é bom ou mau na vida das pessoas, se elas vivem situações que ele jamais experimentou? Seria ele um iluminado para dizer que o segundo casamento é uma praga, ou uma chaga? Foi Deus quem ordenou tal pronunciamento? Que espécie de Deus seria esse? Não desconfia, o presidente do Vaticano, que o homem e a mulher que se separaram, antes de chegarem a esse desastre passaram anos, e até décadas, dando tudo de si para que suas promessas de amor fossem cumpridas? E que, infelizmente, não obtiveram sucesso? Como alguém, de boa consciência, pode condenar esses infelizes?

Talvez devêssemos admitir que o amor é uma árvore de um só fruto, como quer o Ratzinger. Então existiria somente um amor para uma única vida. Mas a vida mostra que não é assim. Amores acabam, ou simplesmente se separam, e encontram outros amores, aos cuidados da Deusa Natureza, na suavidade dos dias, ao som da garoa da tarde, sob o aplauso de um colorido sol. Que experiência “Sua Santidade” tem a respeito do amor conjugal, ou do casamento, ou de um segundo casamento? Teria ele dividido com uma mulher o amor conjugal? Teria ele um dia limpado a bunda de um bebê? Teria passado madrugadas embalando uma criança com febre e dor de barriga? Teria passado madrugadas angustiado por saber que no dia seguinte não disporia de recursos para botar um pão, e muito menos um bocado de feijão, no prato de seus filhos? Teria ele tentado consolar uma esposa inconsolável?

Esses questionamentos seriam dispensáveis, caso soubéssemos que o Poderoso e Bondoso Ser deu ao chefe do Vaticano uma sabedoria infinita. Infelizmente, o que sabemos é que a escolha desse chefe segue os mesmos sombrios trâmites que levam à eleição de um diretor de escola pública ou de um presidente de Câmara Municipal. Há vasta literatura sobre isso, inclusive no picado, nas colunas de jornal, portanto, não há muito a questionar. Queiram ou não seus seguidores, o Papa é um cidadão comum (ou talvez incomum, considerando o volume do patrimônio físico sob sua custódia), com a sorte, ou o azar, de carregar nas costas o peso da Igreja Católica e seu passado atroz.

Um pequeno milagre

A humanidade não está preparada para ver a verdade, é o que percebemos, neste furor midiático e popular representado pela vinda de Ratzinger ao Brasil. Esta é uma questão visceral, mas estamos deixando para discutir depois, quando a humanidade estiver extinta.

Os críticos do Vaticano deveriam ficar calados, para não perder espaço e confiança no mercado. Mas como podemos ver a humanidade que somos continuar ludibriando a si mesma? A verdade não é a igreja, a verdade não são os dogmas, a verdade não é o Ratzinger. A verdade é o que somos, e nem mesmo sabemos o que somos! E sempre que alguém determinou o que somos, produziu tão somente um monte de sangue e sujeira.

Filósofos das mais antigas eras lutaram contra sua própria ignorância, e obtiveram alguns êxitos. Mas o âmago da humanidade eles não compreenderam, pois ali só existe o vazio. O que você vê no meio de uma multidão em fúria — seja pela dor, seja pela devoção em torno do papamóvel — senão o vazio? A massa humana prefere ainda o conforto do “Pai” a um estimulante desafio espiritual. Esmiuçar o mapa da vida em busca de incertos tesouros, para que, se estamos nos braços do Pai? Um pai pode dizer todas as asneiras imagináveis, e será perdoado por sua prole.

O presidente do Vaticano condena o aborto, mas não dispõe de seus milhões de liras para levar conforto às mães adolescentes moradoras das favelas da América Católica. Condena o uso da camisinha, mas o que faz com a população de soropositivos da África Católica? Condena a eutanásia, mas o que sabe da dor dos familiares que sofrem anos e décadas à beira de um leito de morte?

A Igreja Católica faria um grande favor à humanidade reconhecendo seu estrondoso fracasso. Espalhou o terror entre os Árabes durante os séculos das Cruzadas; sentenciou e assassinou milhares de sábios ditos “bruxos” na Idade Média (hoje sabemos que eram apenas sábios); destroçou a civilização da América Nativa; matou milhares em suas guerras santas contra o protestantismo; e no final da década de 1930 até flertou com o promissor regime nazista. Durante a Guerra do Contestado, em que o exército brasileiro massacrou milhares de famílias de agricultores no Sul do Brasil, no início do século 20, lá estava a Igreja Católica de braço dado com os generais. (Eu tinha uma foto. Preciso achar aquela bendita foto para mostrar para vocês!).

Se quisesse realmente espalhar o amor de Cristo, a Igreja de Roma deveria contribuir para a formação de uma instituição nova e admirável, cujos mestres não precisassem se desculpar a todo instante pelos crimes seculares de seus representantes, nem pelos estupros de garotos de oito ou dez anos (recentemente negados por Ratzinger, como se muitos deles não fossem crimes confessos).

Os católicos de boa fé rezaram por Ratzinger, aguardaram sua bênção, vararam o território nacional em busca do olhar sagrado do representante de Cristo na Terra. Eles não merecem a verdade? Diga-me você, de boa fé: eles merecem o teatro espetacular, as missas gigantescas, ou merecem a verdade? Centenas de milhares de pessoas sinceramente generosas, dedicadas aos pobres e infelizes, excelentes pessoas, pais e mães de família, estão agora nos templos, rezando e confirmando a existência de uma instituição comprovadamente criminosa — ao menos, segundo nos conta a história — chamada Igreja Católica. É justo deixar que suas existências singulares se dissolvam nesse aguardo inútil, nessa esperança de que as estruturas ensangüentadas da Igreja Católica sejam palco de algum verdadeiro milagre, de qualidade física ou espiritual? Não. Mas como dizer a eles que Deus não seria ingênuo a ponto de oferecer bônus a uma instituição que traiu Sua confiança?

Enquanto a Igreja de Roma não vai à praça com o despojamento de São Francisco de Assis, desembaraçada de suas roupagens glamourosas, como poderá falar em Cristo, que pregava a humildade e o desapego às coisas materiais? Enquanto sua prática institucional seguir as mesmas regras sórdidas da política de estado, o mesmo jogo de forças pelo “poder supremo”; enquanto tivermos de ouvir falar em “papamóvel” (valha-me Deus!); enquanto os pastores de Roma não se vestirem como cidadãos comuns que são... como poderemos esperar que Deus, em sua suprema bondade e compreensão, desça até os católicos e prodigalize-lhes ao menos um minúsculo milagre?

Talvez Ratzinger, em vez de atirar promessas de castigo eterno, devesse olhar com bondade os seus fiéis e dizer “cada um de vocês é um milagre, um grande e fantástico milagre de Deus”. Então talvez os fiéis perdessem o medo das doenças, da fome, do demônio, da morte e até mesmo o imenso medo da riquíssima e poderosa Igreja Católica.

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