Numa dessas terças da vida, era dia de chegar mais cedo em casa, já que largo do trabalho às 16h00. O Rio de Janeiro, como sempre, era palco de mais um lindo dia, com cara de verão (apesar de já ter acabado). Vim no ônibus matutando, matutando, e de pronto, resolvi dar uma volta na praia assim que chegasse em casa. Resolvi ainda no ônibus que iria levar meu fiel cão, Tico, cocker spainel de 7 anos, para também desfrutar daquela beleza de cenário. Eu estava devendo um passeio de verdade a ele (levo ele na rua todos os dias, mas apenas uma voltinha no quarteirão para que ele faça suas necessidades fisiológicas), então juntei o útil ao agradável. Era o dia perfeito. Ao chegar em casa, vesti meus trajes de típico carioca (camisa, óculos escuro, bermuda e chinelo), fiz um rápido lanche e anunciei ao totó que iríamos à praia; ele logo pulou em mim, fazendo o habitual "escândalo desesperador". Andei umas quadras, e rapidamente cheguei ao nosso local de destino. Decidi então ir até a Pedra do Arpoador (que na minha modesta opinião, é o lugar mais bonito do Rio). Por dentro, sentia que algo de diferente iria acontecer naquela tarde ’vadia’. A inspiração para um poema, um fato engraçado, um encontro inesperado ou até, quem sabe, uma paixão surpreendente. Fomos andando pela orla de Copacabana, que a essa altura já estava tomada pela sombra. No caminho, passaram um grupo de pagodeiros bajulando turistas (estrangeiros ou não) e ele, Drummond, parado, sentado em seu banco imortal, vendo a vida passar e servindo de coadjuvante para fotos. Lembrei-me de imediato das inúmeras vezes que passei por ali e percebi que, além de poeta, ele era o melhor ouvinte de mendigos. Tão maltratado o poeta. Será que essas confissões serviriam para alguma crônica? Enfim, em cerca de dez minutos, saltava aos meus olhos a praia de Ipanema, que me recebia, como de praxe, de braços abertos. Rumei então para a ponta da praia. Em segundos, estava formado o trio; a pedra, o cão e eu. A pedra já estava lá, apenas aguardando a nossa ’ilustre’ chegada. O cão e eu fomos em busca de um assento privilegiado, para assistirmos mais uma vez ao exuberante pôr-do-sol, tomar um vento no rosto e deixar a imaginação voar alto nas asas das gaivotas que planavam sobre o mar. Que por sinal estava esplêndido, convidativo, balançando com harmonia invejável, para lá e para cá, como a malemolência dos quadris de uma passista de escola de samba. O clima era bastante agradável. O sol estava se pondo atrás do morro, perfeito para uma fotografia. O espetáculo da natureza durou cerca de meia hora. A praia inteira foi tomada por uma leve penumbra, gostosa, macia e aconchegante. Era o momento ideal de reflexão. Vi que nada daquilo de especial que havia previsto aconteceu. Mas depois notei algo que estava na minha cara. Naquele momento, me perguntei: quantas pessoas no mundo gostariam de estar aqui e não podem? Quantos outros estão presos, doentes, nascendo, morrendo ou trabalhando duro e não puderam contemplar este momento divino? Nosso trio estava ali, gozando de vitalidade e plena saúde, sem ter do que reclamar. Um pôr-do-sol não é como um filme com final previsível; é diferente como a listra das zebras, ou nossa impressão digital. O daquela terça nunca mais se repetirá. Senti com o fundo da minha alma que nós três – a pedra, o cão e eu – éramos privilegiados por Deus. E a exclusividade desse simples passeio bastou para mim, me satisfazendo por completo. Nota do Editor: Renan Oliveira é jornalista carioca, formado pela Facha. Atualmente cursa Radialismo e trabalha na Assessoria de Imprensa da Biblioteca Nacional. Já trabalhou nas assessorias da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e também no Instituto Benjamin Constant. É criador e editor do blog Até o Ponto Final, onde publica semanalmente suas crônicas e poesias.
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