Quando o assunto é medicina tropical, o Brasil é um dos países campeões em registrar praticamente todas as principais doenças endêmicas que ocorrem no mundo. A malária, por exemplo, faz 400 mil novos casos no Brasil por ano. A leishmaniose, de 70 a 100 mil. Ambos acontecem com maior freqüência na região Norte. Já outras doenças tropicais comuns, como a esquistossomose, a febre amarela e a doença de Chagas, em diversas regiões espalhadas pelo Brasil. A mais conhecida das doenças tropicais é a dengue, talvez porque esteja cada vez mais perto dos centros urbanos.

Na contramão da exposição que as doenças tropicais tiveram principalmente nas últimas décadas, as infecções causadas por fungos não se beneficiaram da mesma onda de interesse recente. "Atualmente 30% da população mundial apresenta algum tipo de infecção provocada por fungo", explica Flávio Queiroz Telles, professor adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O fungo provoca a candidíase vaginal que leva muitas mulheres ao ginecologista. Ou as famosas frieiras, ou pé de atleta, que aparecem sobretudo no verão. Há também as micoses, que levam milhares aos dermatologistas. São vários os tipos de fungos e maior ainda os tipos de infecções por eles provocados. Mas são aquelas que ocorrem no ambiente hospitalar que mais preocupam. São essas as infecções mais nocivas e que causam o maior estrago no corpo humano.

Aproveitando-se do organismo fragilizado do paciente que já está hospitalizado, geralmente em estado grave ou em unidades de terapia intensiva, o fungo invade o corpo provocando uma infecção "oportunista". "O aumento do número de pessoas com o sistema de defesa enfraquecido por inúmeros fatores tem aumentado a incidência de infecções fúngicas oportunistas", explica Telles. Mas quando o sistema de defesa estaria enfraquecido?

Atualmente, há cada vez mais oportunidades para isso. Explica-se: antigamente, portadores de doenças como câncer e Aids padeciam. Hoje, graças a novos tratamentos, os pacientes têm uma sobrevida maior, mas os tratamentos podem deixar os sistemas de defesa enfraquecidos, o que facilita a entrada de invasores oportunistas, como os fungos. Pacientes submetidos a transplantes ou que passam por cirurgias e ficam internados em unidades de terapia intensiva (UTI) também estão mais susceptíveis a adquirirem essas infecções hospitalares. "Em hospitais públicos brasileiros, a candidemia (um tipo de infecção fúngica na corrente sanguínea) é uma das mais importantes infecções oportunistas, com uma mortalidade de 50%", explica.

Outro exemplo é a aspergilose, que acomete principalmente pacientes submetidos ao transplante de medula óssea. Embora não haja registros no Brasil, grandes centros que realizam esse tipo de procedimento, como o Hospital de Clinicas da UFPR, registram aproximadamente 12 casos anuais. Pode parecer pouco se compararmos aos 400 mil novos casos por ano da malária. Mas é preciso se levar em conta o número de transplantes de medula óssea realizados por ano.

Outra possibilidade para o número baixo de casos de infecções fúngicas registrados no Brasil é a falta de conhecimento dos médicos acerca dessas manifestações menos corriqueiras, sugere Telles. "Nem todos os médicos sabem diagnosticar e tratar as doenças tropicais. Eles precisam pelo menos suspeitar e encaminhar para um especialista", diz, ressaltando que, hoje, o mais importante é que existe tratamento para diminuir a mortalidade da infecção fúngica, mesmo no ambiente hospitalar.