Quando eles cortaram os cabelos para entrar no mercado, não sabiam que estavam fechando a porta para o mundo do encantamento. Quando estavam ao vento, sentados nas esquinas, nas escadarias do colégio, andando de bicicleta, talvez fossem considerados inúteis e tolos, mas devemos dar-lhes o mérito dessa visão afrodisíaca da das almas livres, do efêmero conto de fadas que se chamava juventude. Um jovem de cabelos longos não é um trivial cabeça-oca, como parecem pensar uns dinossauros sobreviventes de antigas gerações. Ainda que nada produza para fortalecer o angustioso mercado, a juventude concede à humanidade um permanente estado de sonho e esperança. Suas cores vibrantes, seus espalhafatos, suas histerias auto-afirmativas, seus gestos barulhentos, suas festas insuportáveis renovam o sangue, revolvem a terra embrutecida e abrem as leiras para o nascimento de flores inéditas. Os jovens têm esse espírito desde que nasceu a humanidade. Eles sempre quiseram mudanças, mas em algum momento esse espírito depara com a barreira letal: a constatação de que certos sonhos somente se realizam com o passaporte do cifrão. Talvez esteja aí a genuína raiz do capitalismo. Quando um indivíduo começa a se perguntar "como podia ser tão tolo!" ao sonhar com canções e amores perfeitos, acaba a esperança e começa o stress. Não só o dele, mas o de todos quantos consiga estressar na busca de seu velho sonho. Os antigos anseios vão ganhando a forma do cifrão, e o famigerado "passaporte" já se tornou o maior objetivo da vida. Mercado imobiliário, cheques, duplicatas, pró-labores, corrupção, crises, eleições, matanças... é com essas maravilhas que os esperamos, na virada dos vinte anos. Lembro dos amigos jovens-cheios-de-vida que perdi para o mercado. Perdi o Alex quando lhe pedi dinheiro emprestado e ele nunca mais apareceu lá em casa. Perdi o Rodrigo quando ele se tornou funcionário do Bradesco e nunca mais conseguiu falar de outra coisa. Perdi a Sandrinha quando ela se formou em psicologia e passou a tratar todos os amigos como pacientes deitados no divã. Perdi o Tassílio quando ele entrou para o mercado de almas. Começou a falar em Jesus e Nicodemos, enquanto sua pupila ia ficando cada vez mais embaçada pelas trevas. Alguns que entram nos trinta ou quarenta anos sabem que a cabeça não envelhece. Apenas torna-se mais sensível às coisas essenciais. Continuamos sendo o garoto, a garota, mas já não carregamos bagulhos, não nos preocupamos com bugalhos. Um homem maduro, ou "no ponto", como preferem os pós-modernos, não acredita que um novo edifício no centro da cidade seja um grande progresso. Não pensa que uma biblioteca repleta dos mais famosos volumes acrescentará consistência à sua efêmera existência. E quando busca manter seu bocado de lucidez às portas da velhice, sabe que precisa vencer a ilusão do passaporte mágico. O surto de insatisfação, de rebeldia, de sonhos e de vivacidade que atinge a juventude não deveria morrer aos primeiros percalços da maturidade. Conheci pessoas capazes de segurar essa magia, essa força essencial, essa genialidade material, que alia desejos corporais a anseios do espírito naquela fantástica mistura que atinge misteriosamente os garotos e meninas de quatorze ou quinze anos. É com eles que gosto de "conspirar", como diz o bom Rubem Alves. Neles posso confiar os meus deslizes, os meus sonhos mais absurdos. Numa guerra, é preciso ter em quem confiar. É necessário ter como aliados um bando de conspiradores contra toda essa bandalheira mercadológica que está aí. As bombas estão estourando em todo lugar, desviando o leito natural dos rios, arrastando cada vez mais o frescor da juventude a um instável estado de falsa plenitude.
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