Jornalista recém-formado é carinhosamente apelidado de foca. Também, pudera! Eu, por exemplo, percebi algumas semelhanças... As redações estão cheias delas, seres graciosos, alegres, sorridentes e loucos para agradar o grupo, principalmente os animais maiores e mais perigosos, que fazem questão de infernizar a vida das pobres coitadas. E eles são vários!!!!! Outra semelhança: o habitat. As focas do mar são mamíferos adaptados à vida marinha. As focas das redações também são mamíferos, mas a dificuldade de adaptação aos mares gelados do jornalismo impede que a adaptação dessas criaturas seja tranqüila. Normalmente elas correm o tempo todo pra cima e pra baixo, fazendo zilhões de coisas ao mesmo tempo, procurando obedecer as regras impostas pelas morsas, aqueles seres parecidos com as focas que todo mundo confunde. Vale ressaltar que só parecem, porque no fundo são muito mais evoluídos e, justamente por isso, viraram aqueles chefes, gordos e bigodudos! As foquinhas, portanto, trabalham com todo o esmero, afinal, se prepararam anos para chegar a esse nível, se empenhando para fazer parte desse seleto grupo de animais admiráveis. E quando conseguem, nunca reclamam por fazer tudo o que fazem e receber por isso apenas algumas míseras sardinhas em troca, que mal dá para ajudar a criar a camada de gordura que ajuda a esquentar sua pele. Quando resolvem sair da redação e mergulhar no jornalismo, descobrem o terror de águas gélidas. Não seria um problema, afinal, elas gostam de mergulhar e vale a pena o esforço. Matéria aqui, matéria ali, tentativa, erro... tudo poderia ser encarado mais facilmente se as focas não precisassem fugir de criaturas impiedosas que também circulam nessas águas... Enormes, violentos e sedentos tubarões brancos, que não aceitam a idéia de compartilhar seu espaço com um ser tão inferior como uma foca. E fazem de tudo para que ela fuja dali o mais rápido possível, antes de ser devorada. Quando são escaladas para mergulhar, geralmente é em algum assunto chato. Nenhum grande profissional/tubarão branco se dispõe a escrever sobre qualquer coisa, só assuntos de suma importância. Geralmente é a pobre foca que vai fazer aquela matéria mais fraquinha ou mesmo perambular pela favela, entrevistar pai-de-santo ou cobrir campeonato de iô-iô. E ainda vai feliz!!! O pior é quando as focas, que afinal de contas são iniciantes na arte do jornalismo, precisam recorrer a esses tubarões brancos para uma eventual ajuda nesse ou naquele mergulho. "Como faço?", "Qual seria a melhor fonte para entrevistar?", "Essa palavra tem crase?"... Não fossem as dúvidas e a dificuldade natural de quem está começando, é preciso um imenso jogo de cintura para ignorar os olhares de desaprovação das criaturas brancas que, ou resolvem não ajudar e deixam a foca à própria sorte, ou até ajudam, mas deixam evidente a insignificância, a ignorância, a falta de discernimento e clareza de raciocínio, além de deixar claro o enorrrrrrrrrrrrrrrrrme favor que estão prestando àquela foca estúpida. Dependendo da região... ops... da redação, a foca pode encontrar outras criaturas marinhas, acostumadas com todo aquele jogo de gato e rato e até se apiedam das focas, ajudando a conquistarem umas sardinhas extras em trabalhos esporádicos... ssas criaturas, porém, são cada vez mais raras. Atualmente, boa parte das focas está à mercê de alguma morsa pedante, gorda, bigoduda e chata, ou fugindo do rei dos mares. Ou as duas coisas juntas! O que não falta nas redações, aliás, são seres perigosos, com um ego tão inflado que impede qualquer tentativa das focas de se mostrarem capazes. Estes seres são verdadeiros reis. E rainhas. Da língua portuguesa, da gramática, de economia, política... Todos os outros animais precisam formar uma corte, estar à sua disposição sempre. A foca? De preferência que fique escondida num canto, sem aparecer muito. As focas marinhas não possuem orelhas. As das redações têm, mas geralmente precisam fingir que não têm, evitando ouvir o que não podem, correndo o risco de serem expulsas do grupo. Ou mesmo de serem acusadas de intrometidas. As focas marinhas são excelentes nadadoras, assim como as das redações, e embora ambas consigam realizar belos mergulhos, não têm muita habilidade em terra firme, virando presa fácil para caçadores, ursos polares e morsas (pois é, elas de novo...). Em 2002, durante a época de caça oficial de focas marinhas no Canadá, foram assassinadas mais de 300.000 espécimes. Aqui no Brasil, um número semelhante de focas-jornalistas tenta ingressar no mercado frio e cruel das redações, mas também deve morrer no meio do caminho. O único momento feliz da foca é durante o acasalamento. Tanto as focas marinhas quanto jornalistas se reproduzem em colônias. No caso das jornalistas, essas colônias geralmente são animados bares onde elas podem se misturar a outros de sua espécie, ou outras igualmente injustiçadas (como estagiotárias e secretinas), mas que têm uma vontade enorme de viver. Ou melhor, sobreviver. E nada como uma boa breja e um petisco para ajudar!! Nota do Editor: Nani Soares é jornalista.
|