Fui aluno de Elcio Abdalla no Instituto de Física da USP, assistindo à noite às suas aulas de Eletromagnetismo. Ao vigésimo dia das invasões bárbaras, assisti ao vídeo em que ele tenta sair do hall de entrada do IF (e não sala de aula, como divulgam) e logo vi que lá havia treta. Primeiro, porque tiraram o áudio da gravação. Segundo, porque o professor está claramente querendo sair daquele local, deixado em estado de pocilga por alunos, funcionários, sintuspistas e professores ferrabrases. A mídia divulgou que ele teria lançado carteiras por sobre alunos. Ora, o que se vê não é nada daquilo. Ele está retirando as carteiras para sair e os piqueteiros estão repondo-as para impedi-lo. E outra: dada a situação na qual o professor foi posto, com 4 ou 5 marmanjos e uma marmanja coibindo-o fisicamente de seu direito de ir e vir e, visivelmente forçando uma situação de confronto, não seria injusto se tomassem uns safanões. Talvez seja desnecessário algo mais forte pois senão os alunos poderiam sacar do Estatuto da Criança e do Adolescente em sua defesa. Ah, há também uns funcionários, dois ou três que observam a situação degradante e nada fazem. Eles sabem como é o sindicato... Mas Elcio Abdalla é um gentleman lidando com desqualificados. Difícil é o entendimento. Há na mídia corrente um estranho modo de chamar as coisas. Chamam a invasão de "manifestação não-violenta". O criminoso invade seu espaço, impede-o dos direitos mais básicos, mas se ele não lhe dá um tiro ou uma porrada, a mídia qualifica o ato de "manifestação não-violenta". Catzo, quer dizer que isso não é violência? Quer dizer que você pode sair por aí ameaçando, impedindo os outros de estudar e produzir, tomar sua liberdade e sua propriedade, mas se eles não lhe dão um tiro na cara isso é "manifestação não-violenta"? É, é assim. E é assim também que estamos perdendo o que ainda temos. Não sei se é correta ou não a lista de professores apoiadores da invasão bárbara. Eram em torno de 180, entre chauís e sáderes. Principalmente da FFLCH e ECA. Ora, se 180 professores apoiaram esses pequenos dirceus a começarem por baixo, com crimes pequenos de início, é porque não há falta de professores nessas unidades, como choramingam. Cento e oitenta, somados aos que não apoiaram a invasão, é um número considerável de professores. Há mesmo falta de vontade de dar aula. A não ser que a regra seja pedir afastamento e ir para Brasília, pois, como costumam dizer por aquelas bandas letradas, "tudo é política". Não está longe o dia em que o MST, julgando a USP improdutiva, não hesitará em invadir aquele campus Butantã, exigindo ciência socialista. Na década de 1940, Otto Maria Carpeaux, em sua Viena natal, já observara à sua primeira entrada na universidade: "Vi a biblioteca coberta de poeira, os auditórios barulhentos, estupidez e cinismo em cima e embaixo das cadeiras dos professores, exames fáceis e fraudulentos, brutalidades de bandos que gritavam os imbecis slogans políticos do dia e que se chamavam ‘acadêmicos’.” Ainda em "A idéia da universidade e as idéias das classes médias", Carpeaux faz uma extensa análise da motivação violenta que se apoderou das classes médias, não economicamente médias, mas sim espiritualmente. Classes médias do espírito, aquelas que jamais chegarão ao conhecimento da realidade e, por isso, tornam-se violentamente invejosas de quem o possui. Para esses, o objetivo da vida deixa de ser o conhecimento, se um dia o foi. Enxergando-se incapazes de adquiri-lo, querem impedir que outros o busquem. Restam as manifestações de significado nulo, cheias de som e fúria. Restam as filiações políticas e os sindicatos. Resta o sentimento de coletividade irresponsável. E Carpeaux, constatando que a história das universidades é a história espiritual das nações, coloca-nos em uma situação deveras preocupante. Se é que ainda podemos nos chamar nação.
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