Há contrapontos que sutilmente oculto: tenho inclinação à independência e também às tarefas entre quatro paredes domésticas. Preciso desses pequenos cuidados, minúsculos arranjos do dia-a-dia que guiam os meus passos e me conferem raiz. Sei quem sou, sei onde estou e entender para aonde vou é questão de dar a mão para quem comigo está em todas as estações. Sonho com o cultivo de canteiros fartos, mesas longas de rústica madeira, plantadas na varanda, e panelas borbulhantes ao fogo, povoando a casa de aromas extremamente familiares e seguros. Quero escolher temperos - tomilho, salsa, manjericão, alecrim, - que darão doce perfume aos meus dedos e espírito. É bom cozinhar fazendo escolhas detalhadas, sem asperezas, como se escrevesse um poema... servir a mesa, enfeitá-la com um jarro de flores do campo e, então, comer sem pressa, pois entre amores e sabores há frases maravilhosas que podem ser colhidas no convívio e na intimidade. Atenta, serei cuidadosa ao derramar cada gota do bom vinho que encherá a taça do meu amado para o momento da celebração: hóspede em sua própria casa, na calmaria da tarde, receberá de mim o alimento do corpo para que juntos possamos comungar o pão de nossas eternas almas. Então, debruçarei travessas de pêssegos frescos bem ao lado do meu amado para que se encante com sua fina textura e formato: seios à mostra em pleno verão. E aí começará, enfim, a ceia dos pequenos deuses. Nota do Editor: Solange Sólon Borges é jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas "O prefácio", sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, "Paisagem Feminina", pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta - emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.
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