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Opinião
04/06/2007 - 18h00
Dia Nacional do Almoço Grátis
João Luiz Mauad - MSM
 

23 de maio foi o "Dia Nacional de Luta Unificada por Nenhum Direito a Menos" (sic). Eu acho que "dia da desordem" seria um nome mais apropriado ou, pensando melhor, "dia nacional do almoço grátis". É! Definitivamente, acho que este último estaria mais de acordo. Por todo o país, pipocaram manifestações e arruaças protagonizadas pelos ditos movimentos sociais, coadjuvados por diversos partidos de esquerda. Invadiram hidrelétricas, bateram na polícia, depredaram bens públicos, interditaram estradas, queimaram coisas e, acima de tudo, fizeram muito barulho do alto dos seus carros de som (como gosta de um microfone essa gente, meu Deus!).

Felizmente, aqui no Rio de Janeiro parece que as únicas conseqüências da balbúrdia foram um nó no já caótico trânsito do centro e a irritação dos que lá trabalham, obrigados a tolerar a falta de respeito de um bando de desocupados. No meu caso particular, não sei se me irrito mais com o trânsito ou com as abobrinhas que aqueles inúteis nos obrigam a escutar com seus auto-falantes a todo volume, como se nossos ouvidos fossem penico.

Naquele dia à tarde, voltava do almoço, por volta das duas, e parei para tomar o habitual cafezinho no boteco da esquina. Para meu azar, passava, justo naquele momento, um trio elétrico com o pessoal da UNE. O sujeito lá em cima berrava, ensandecido, a plenos pulmões: - universidade pública gratuita para todos; passagem de ônibus grátis para todos os alunos, da pré-escola à universidade; melhores salários e condições de ensino para os professores; mais verbas para pesquisa; mais isso, mais aquilo...

(Digressiono: estranha noção de "direitos" essa, cujos benefícios de uns dependem do sacrifício e da espoliação de outros).

A certa altura do show, um débil mental gritava aqueles famigerados clichês "anti-imperialistas", "anti-neoliberais", "contra a opressão das classes trabalhadoras", quando notei que a moça que serve o café balançava a cabeça com ar de desaprovação. Aproveitei a deixa: "Essa gente acha que dinheiro dá em árvore", disse eu. "Será que eles se dão conta de que tudo isso tem um preço?"

Mal acabei a frase e o sujeito a meu lado - paletó bem cortado, sapato de uns R$ 150,00 (por baixo) e relógio importado (O.K, podia ser falso) - intrometeu-se na conversa: "Solidariedade, meu caro, esta é a palavrinha mágica que tornaria tudo possível". Mais não disse, e muito menos eu me atrevi a iniciar ali uma discussão. Paguei o cafezinho e saí, absorto em meus pensamentos.

Será que aquele homem tinha idéia da enormidade que acabara de dizer ou seria apenas mais um daqueles inocentes úteis que se especializaram em repetir velhos jargões, sem nunca ter parado para pensar nas papagaiadas que diz? Será que ele sabe que a renda per capta de Pindorama anda aí pela casa dos R$ 12.000 anuais? Será que o aprendiz de feiticeiro aceitaria - solidariamente - dividir o que é seu para viver com, digamos, R$ 1.000 por mês, que é a parte que lhe caberia se levássemos essa lengalenga de solidariedade coletiva ao extremo?

Sei que não devemos julgar os outros sem conhecê-los, mas apostaria alto que aquele janota não era do tipo chegado a uma caridade - caridade real, é claro, de caráter individual e voluntário. Lembrei-me então dos artistas: de Caetano, de Gil, de Chico, de Xuxa, de Niemeyer, de Faustão. Pensei em todos os políticos e sua "opção preferencial pelos pobres", pela "justiça social", pela "distribuição de renda", e de quão distantes eram os seus belos e nobres discursos das suas vidas privadas. Pensei nos lautos cachês e salários. Você sabe quanto custa uma entrada para o show do Chico Buarque? Não queira saber, meu amigo, pois é algo indecoroso.

Um pensamento puxa outro e acabei relembrando uma das poucas reuniões de condomínio de que já participei na vida. Um dos itens da pauta era o rateio do déficit causado pela inadimplência de um dos condôminos. Discutir-se-ia ainda as alternativas para a cobrança dos atrasados. O síndico fez uma breve explanação, na qual comunicou aos presentes que o morador em débito o havia procurado para informar que estava desempregado e com problemas de saúde na família - até onde eu pude averiguar posteriormente, parece que a história era verdadeira. Resumidamente, o sujeito pedia que concordássemos em parcelar a dívida em seis vezes, com a dispensa de multa e juros.

Aprendi, desde cedo, a respeitar o velho adágio segundo o qual "mais vale um pássaro na mão do que dois voando". Além disso, conheço suficientemente bem os meandros do judiciário brasileiro para saber que, por aqui, um mau acordo costuma ser muitíssimo mais vantajoso do que uma boa briga, especialmente nesses tempos em que juízes têm dado mais atenção a uma lei não escrita - emanada subjetivamente de suas próprias consciências e apelidada pomposamente de "justiça social" - do que propriamente à norma formal, proveniente dos códigos jurídicos. Pragmaticamente, portanto, meu voto já estava decidido, até porque nada impedia que recorrêssemos ao judiciário mais tarde, caso o nosso vizinho não honrasse o compromisso assumido.

A discussão que se seguiu foi inacreditável. Gritos, acusações, dedos em riste, enfim, uma baixaria completa. Uma senhorinha mais irritadiça, de quem a única referência que eu tinha até então era um adesivo do PT estampado no vidro do carro, não se conformava de ter que pagar uma cota extra por conta da inadimplência do vizinho. Exigia providências legais imediatas contra o "inadimplente" (era assim que ela se referia, sarcasticamente, ao coitado) e a respectiva cobrança, "sem choro nem vela", de todos os encargos cabíveis.

Argumentei que os R$ 50,00 da cota extra não eram nada assim tão exorbitante e que, afinal, uma cobrança pela via judicial poderia levar anos. Nada demovia a senhorinha, que a certa altura começou a tecer comentários sobre a vida privada do coitado e sua família. Falou das roupas da mulher, dos brinquedos dos filhos do casal, enfim: um verdadeiro "barraco", como diria minha filha. No fim, fui voto vencido e deliberou-se que o condomínio faria a cobrança imediata da dívida, através de advogado (só esta decisão já aumentou o débito do pobre sujeito em 20%).

Depois desse dia aprendi, de uma vez por todas, que solidariedade não é daquelas coisas fáceis de se encontrar por aí. Pelo contrário, ela é um bem dos mais escassos e, por isso, não dá para imaginar um mundo ideal lastreado nesse nobre sentimento humano, como sugerido pelos arautos da distribuição de renda e do almoço grátis.


Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

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