Neste último fim de maio, entre sóis e chuvas, alguém, certamente, sente a visão turva e pergunta as razões. Tantas, talvez. Todos, com poucos ou muitos lustros vividos, caminhos vários, expectativas reconstruídas ou não, vão sendo remexidos, por razões diversas, lá onde mora o sentimento profundo, naquele lugar onde não há máscaras, só nós temos a chave e não cabe vaidade. E tudo, pasme, por conta das contas, afetivas ou não, de quem faz do diz-que-diz o combustível que move a sua ótica e não sabe ver claro. Lentes ou visões turvas merecem ser limpas, alvejadas com sabão, mas sabão não limpa grilo, maledicência, nem engrandece espíritos pequenos, não aplaca as diatribes que se constroem quando alguém imagina que o outro vive um mar de rosas ou de prazer. É imperiosa uma procela para denegrir, separar, açular e até invocar amor que impeça, em nome da honra e dos modos, que ’erros’ sejam cometidos, a moral e os bons costumes fiquem revestidos com o manto da hipocrisia que leva muitos de roldão nas vagas da incoerência, aquela que não traz ninguém à praia da razão. E a praia da razão está deserta até das poucas e cansadas almas que se animavam a deambular por entre areias molhadas com os salpicos dos perdigotos dos que se imaginam sérios, sensatos, falantes, mantenedores e dirigentes de espetáculos circenses de amor ou afabilidade doentia, porque despidos de propósitos coerentes, mas prenhes do direito de amordaçar e tolher o outro, o que sabem ser impossível, pela natureza de quem conhece. E na praia da razão o plenilúnio se esvai e a névoa desce por saber da tristeza dos que estão ainda com os pés feridos das ostras pisadas, perderam seus astrolábios, não sabem manusear bússolas e olham por entre a bruma e não acreditam que perto dali, passos à frente, há braços abertos que não se vêem e nem se unem na clareira. E não se unem não só pela visão turva, mas pelo plenilúnio caído, pela névoa, pés feridos, perda de astrolábios e porque não sabem estender braços no escuro e não ousam desobedecer a preconceitos, mudar atitudes, desfazer amarras e se prostram na amargura da saudade, usando o disfarce da alegria como arte na vida. (Esta crônica é para Lucy, de Fortaleza)
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