O aeroporto de Congonhas, em São Paulo, que registra a maior densidade de tráfego aéreo do país, por medida de segurança, teve de suspender pousos e decolagens por duas vezes nos últimos dias, em razão de interferências de rádio piratas na freqüência de comunicação entre a torre e os aviões. Não passou disso, mas a anomalia coloca o já complicado tráfego aéreo sob iminente risco de acidentes e novas tragédias. Em menor escala, outros aeroportos e os serviços de segurança, em todo o país, são freqüentemente perturbados pelas emissoras ilegais que, sem qualquer critério nem limite, invadem suas faixas de comunicação e orientação. Antes da chegada do rádio comercial de FM (freqüência modulada), era rara a pirataria no setor. Mesmo assim, os fiscais – na época controlado pelo antigo Departamento de Correios e Telégrafos – eram temidos e odiados por donos, gerentes e funcionários das estações regulares de rádio, tamanho o rigor e a intransigência com que agiam. Bastava qualquer desvio de regulagem na freqüência ou oscilação na potência autorizada para sofrerem pesadas sanções. Depois da freqüência modulada e da massificação do transistor, ficou fácil montar uma estação de rádio. Ela pode ser encontrada por pouco mais de R$ 3 mil no comércio regular, e basta ligar na tomada para emitir o sinal. Essa facilidade levou à criação da rádio comunitária, de baixíssima potência, destinada a atender especificamente o bairro onde se encontra. Funcionando legalizada e dentro dos limites e regras previstos em lei, não atrapalha ninguém. Mas centenas, talvez milhares de indivíduos – inclusive algumas instituições religiosas e similares – fazem questão de operar a rádio pirata, sem autorização legal e muito menos o respeito ao limite de potência e freqüência e à ética no que comunica. E o mais grave é que muitas dessas estações são fechadas pela polícia e seus responsáveis presos, mas, dias depois, voltam a funcionar, sem que sejam fiscalizadas por meses, até anos. Pelos danos que pode causar, esse é um crime que deveria estar entre os inafiançáveis, equiparado aos hediondos. A radiodifusão é um grande instrumento social. Tanto que antes da televisão – e ainda depois dela – o rádio serve para a transmissão veloz de notícias e orientações à população em casos de emergência e, ainda, atua na linha artística, divertindo e criando verdadeiros ídolos populares. Sua massificação incontrolada e ilegal, no entanto, leva a problemas com os quais a sociedade não deve conviver. A maioria dos brasileiros orgulha-se de viver em pleno Estado Democrático de Direito. Contudo, deve-se considerar que a democracia plena também exige o cumprimento das leis e a punição àqueles que as descumprem. A rádio pirata, além dos prejuízos à aviação e à comunicação de segurança, ainda constitui-se em concorrência desleal às emissoras legalmente instaladas. Sem personalidade jurídica, nem qualquer compromisso com a legalidade, não pagam impostos e podem ser utilizadas para finalidades anti-sociais. Denunciou-se, há dias, que rádios piratas estariam transmitindo comunicações cifradas entre os membros de facções criminosas recolhidos em penitenciárias. Também há informações de que anunciam medicamentos e cosméticos ilegais, cujas fórmulas podem prejudicar a saúde dos usuários. Se isso estiver acontecendo, são agravantes ao crime contra as comunicações. A responsabilidade de fiscalização da radiofonia é federal. Porém, devido ao grande número de emissoras ilegais, o ideal seria que o Ministério das Comunicações celebrasse convênios com os Estados e municípios, transferindo-lhes a tarefa. A proximidade da fiscalização acabaria rapidamente com o rádio marginal e, principalmente, evitaria o surgimento de novos empreendimentos dessa natureza. A pirataria é uma enorme ferida social. Traz insegurança ao consumidor de seus produtos, sucateia o setor onde atua, promove o desemprego, corrompe a propriedade intelectual e científica e, ainda, faz sonegação fiscal. Combatê-la sem tréguas é dever básico do poder constituído e interesse da sociedade. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e presidente da APOMI (Associação dos Policiais Militares do Estado de São Paulo).
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