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Crônicas
14/06/2007 - 13h00
A certeza de estar sendo traído
Seu Pedro
 

Naquele dia, enfim, tive a certeza que estava sendo traído. Fingi que não percebi que ela caprichava no visual, colocava o mais bonito dos brincos, imitação de ouro que eu lhe dei, e também aquela bonita tiara de pedras falsas. Não lhe dou jóias verdadeiras por segurança de sua própria vida, já que não pretendo que algum marginal lhe corte o pescoço e fuja com uma cabeça ricamente ornamentada. Em tempo de tanta audácia dos marginais, nada é impossível!

Mãe das minhas filhas, eu nunca manifestei ciúmes que lhe pudessem constranger. Ao contrário, sempre preguei que era livre em suas decisões. Mas claro que nas decisões das compras do supermercado, na escolha das roupas das crianças, no ponto da casa por onde começar a faxina, que dia quer visitar a mãe. Sempre preguei essas liberdades. Todas, não. Pegam mal. E o que iriam dizer de mim!

Nosso amor tem sido lindo. Ela, uma excelente mãe, e perfeita dona-de-casa. Tanto que costumo ajudá-la nas tarefas do lar: junto os copos, pratos, xícaras e eventuais que estiverem sujos pela casa afora e coloco-os todos na pia para que ela não tenha este trabalho na hora de lavar a louça. Quando inicia a varrição da casa, acompanho-a na tarefa, mostrando os pontos onde ainda ficou sujeira, para que ela a finalize com perfeição!

À noite não existe marido tão bom de cama como eu. Deito no meu canto e ronco até amanhecer. Não a perturbo um minuto pedindo água ou levantando para fazer xixi. Nossa vida é um mar com poucas ondas. E nada tenho a queixar do café da manhã, às vezes fraco, às vezes forte, nem do bife salgado, do arroz papa e do feijão queimado. Isto são detalhes, efêmeros detalhes. O importante é que nos amamos, e confessamos este amor sempre que alguém vem tomar conta das crianças, e fugimos para um motel!

Portanto, lembrando a nossa jura de casamento, ela de vestido novo de noiva, eu com aquele terno emprestado, de frente ao oficial do cartório, dissemos que iríamos ser “felizes para sempre, e fiéis um ao outro até que a morte nos separe”. Eu não havia morrido e nem ela, assim não justificava a traição. E eu, desconfiado que estava sendo traído, deixei que ela saísse toda bonita e arrumada, e ainda dei-lhe as duzentas pratas que me pediu. Suportei!

Ao que ela dobrou a esquina, saí acompanhado com certa distância os seus passos. Ela parou em um orelhão, fez uma ligação ou duas, não deu para perceber corretamente. Mas até aí, nada, uma vez que o telefone de nossa casa estava como “pai de santo”: só recebendo!

E lá vai ela. Pára e cumprimenta algumas amigas, encontra um amigo nosso comum, mas de parte dele nada aconteceria. Pela manhã, era costureiro, à tarde, cabeleireiro e à noite, garçom de boate gay. Com tanta vocação assim, a ele não caberia nenhuma suspeita.

Enfim, ela entrou em uma casa, donde nunca com ela fui, e demorou a sair. De longe, agora já com binóculos emprestado por amigo viciado em hipódromos, eu a observava, e procurava ver se em suas vestes havia algum fecho-éclair aberto, ou botão fora da casa. Nada. “Ela foi perfeita”, pensei. Nenhum vestígio! Ela se apressa no rumo de volta para casa. Eu apressei-me mais ainda, a fim de chegar primeiro, para que ela não soubesse que eu já sabia!

A porta se abre, eu no sofá lendo uma revista. Um beijo. Correspondi. Olhei-a de cima abaixo, e esperei que me dissesse onde foi. Não havendo voluntariedade na informação, tomei coragem e perguntei: “Onde você foi?”. Por resposta me disse que em nenhum lugar especial, que havia ido apenas ver vitrines no comércio. Gelei. Aí estava a prova de que havia alguma traição no ar. Foi então que lembrei que o fato se agravava por ser aquele o dia do nosso décimo aniversário de casamento. Como, como ela foi fazer isto justamente no dia em que fizemos juras de amor? Pelo menos tivesse ela me matado antes!

Mas estranhei quando, na boca da noite, ela me pediu para dar umas voltas com as crianças, ir até a praça e tomar sorvete. As crianças, sim, tomaram sorvete. Eu deprimido, coçando a cabeça, tomei duas cervejas, um copo de vinho e um conhaque. Aqueci-me para a guerra no lar, lar que se desmoronaria naquela noite torpe. Tropeço no degrau, abro a porta e me deparo com ele; o bolo de aniversário de casamento, salgadinhos de acompanhantes, parentes mais próximos e amigos, e ela mais bonita que nunca, cantando parabéns. Uma festa surpresa!

Ao final daquela festança, eu, que esquecido do que aconteceu naquela tarde, elogiei o bolo, os salgados e o coquetel de frutas, tão bem preparado, para recordar do mesmo dia há dez anos passados. Ela me deu o cartão da confeiteira! Li, com calma, e verifiquei o endereço da confeiteira, que era o da mesma casa onde meu amor havia entrado e demorado quase uma hora, claro que escolhendo os salgados, o modelo do bolo, e pagando a despesas com os bem aplicados duzentos reais. Tive, então, a certeza que estava sendo traído pelos meus pecaminosos pensamentos e desconfianças, daquela que até hoje cumpre a jura feita em frente ao tabelião!


Nota do Editor: Seu Pedro (seupedro@micks.com.br) é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como “Jornalista do Sertão”.

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