Sabe nessas casas que tem cachorro, e o dono passa uma telinha de arame embaixo do portão que dá para a rua, porque o cachorro é muito pequeno e pode fugir entre as grades? Então. Nesse fim de semana, eu precisei fazer uma dessas. Não era nada grande. Uns dez metros, no máximo. Comprei a telinha de arame na sexta-feira e reservei meu domingo para instalá-la. Dois rolos de quatro metros. Bem medidos, disse o vendedor. Depois, fiquei pensando em quais ferramentas eu poderia precisar. Tinha que ser tudo bem planejado. Um bom alicate seria, sem dúvida, minha ferramenta principal, para cortar e dar nozinhos nos arames. O que mais? Um arame. Uns cinco ou seis metros devem bastar. Para fazer o acabamento. O que mais? Uma chave de fenda? Não, para quê eu precisaria de uma chave de fenda se eu não ia parafusar nenhum parafuso? Talvez uma boa tesoura, para cortar a tela de arame. Uma dessas tesouras de jardineiro. Provavelmente eu nem precisaria dela mas, em caso de dúvida, era bom ter uma ali, à mão. No domingo, acordei bem cedinho. Talvez desse tempo de terminar tudo até a hora do almoço. Comecei cortando uma das telas ao meio. Meu cachorro não tem nem trinta centímetros, eu não ia precisar de uma tela de um metro de altura. Desenrolei a tela no chão do meu quintal, peguei a tesoura e comecei a cortar. Minha esposa me observando da janela da cozinha. - Ui. - Que foi, amor? - Nada. Nada. Um cortinho no dedo. Não havia de ser nada. Eu não tinha pensado nisso. Conforme eu cortava a tela, ela ia se transformando num imenso cobertor de arames pontiagudos, da espessura de uma... uma... agulha. - Uiff. - O que foi agora, amor? - Nada. Pode continuar aí com suas coisas. Dessa vez, o arame se enrolou no meu braço. Não foi um corte profundo, mas o sangue escorreu. Quando foi mesmo que eu tomei minha última vacina antitetânica? Não, o arame não está enferrujado nem nada. Tem que estar enferrujado para dar tétano, não tem? - Ai, puts grila, que droga! - Tudo bem, amor? - TUDO! JÁ DISSE QUE ESTÁ TUDO BEM! Lá pelo meio dia, parecia que eu tinha saído de uma briga com um tigre asiático. Meus braços estavam completamente arranhados e sangravam abundantemente. Minha mão tinha sido perfurada de todas as maneiras imagináveis. Até a minha testa ostentava um corte longitudinal, que eu nem imagino como foi parar ali. E isso sem contar que a minha cerca ficou toda desconjuntada, e eu duvido muito que resista a qualquer rajada de vento um pouco mais forte. Agora. Eu fico pensando. Como é que os nossos ancestrais, em sua maioria uns caipiras iletrados, construíam até as próprias casas e eu, um homem moderno, civilizado, com curso superior e o escambal, não consigo construir nem uma cerquinha? E fogo? Você sabe fazer fogo sem apelar para um isqueiro? Ou, pelo menos, para um fósforo? A civilização está é indo para trás, se você quer saber. Para trás!
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