11/09/2025  10h41
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Opinião
16/06/2007 - 15h02
Marx e Keynes: duas faces da mesma moeda
Mario Guerreiro - Parlata
 

De acordo com Coryntho Baldez, João Sicsú (Instituto de Economia – UFRJ) diz que Marx fez uma crítica ao sistema de economia de mercado com a finalidade de demoli-lo. É verdade, dizemos nós, só que há uma profunda diferença do Marx crítico do sistema econômico manchesteriano – que fez algumas observações agudas e válidas para esse contexto do século XIX – e o Marx voltado para o sistema de economia dirigida como parte essencial de uma futura sociedade socialista. Quando ele fala sobre a referida sociedade, torna-se de repente um grande ingênuo com certos ares de profeta bíblico: mostra acreditar piamente no mito do eterno retorno – comum a todas as culturas pré-letradas – pois a sociedade comunista pós-socialista se encontra com a sociedade comunista primitiva, fechando assim o ciclo da história.

Contrariando fortemente Maquiavel, Marx mostra acreditar piamente que o poder político pode se desfazer por sua própria vontade quando a suposta elite do poder (no caso, a ditadura do proletariado) abrir mão graciosamente do mesmo em nome de uma sociedade sem Estado e sem classes sociais: uma ordem anárquica e não-estratificada, a exemplo do comunismo primitivo. É escusado acrescentar que até hoje a história tem mostrado que a ausência de Estado em uma sociedade letrada não passa de uma doce ilusão. Potestas abhorret vacuum. Como mostrou Robert Nozick, em Anarquia, Estado e Utopia, se o Estado não existisse, teria de ser inventado, pois se trata de um mal necessário.

Ainda para Sicsú, se Marx pretendia a demolição do sistema capitalista, “Keynes fez a crítica do sistema de mercado tendo em vista uma sociedade com pleno emprego e reduzidas desigualdades de renda e riqueza (...) A utopia de Keynes era o capitalismo a serviço do bem-estar social”. Ora, queremos crer que ninguém, em sã consciência, diria que estes dois objetivos não são altamente desejáveis, resta ver se são também exeqüíveis e, supondo que sejam, de que modos? Como podemos ver, Sicsú reconhece que Keynes tinha uma visão utópica, o que é sempre interessante como exercício de imaginação política, ainda que nunca encontre sua efetiva realização. Assemelha-se à linha do horizonte: uma linha imaginária que, quanto mais nos aproximamos dela, mais ela se afasta de nós...

O capitalista não tem como finalidade estar a serviço do bem-estar social – somente indivíduos extremamente ingênuos ou extremamente cínicos acreditam nesta fábula – o capitalista tem como finalidade única o lucro e quanto maior, melhor. No entanto, tendo em vista essa finalidade, vê-se obrigado buscar a cooperação de quem ele fornece empregos e a pagar impostos em seu empreendimento. Logo: o bem-estar social não é a finalidade do capitalista, porém uma conseqüência não-pretendida de sua ação econômica. Winston Churchill revelou conhecer bem ao menos o espírito da coisa quando afirmou, com seu admirável British sense of humour: “A diferença entre o capitalismo e o socialismo é que este tem excelentes intenções e péssimos resultados, aquele tem péssimas intenções e excelentes resultados”. Realmente, não é pela bondade do açougueiro, do padeiro e do cervejeiro que o jantar chega à nossa mesa...

E eis mais uma pérola literária, que quero crer seja fruto do desconhecimento da história político-econômica recente: “Segundo ele (Fernando Cardin, IE-UFRJ), influenciados por Keynes, os governos norte-americano e inglês, assumiram o compromisso com a busca e a sustentação do pleno emprego [obs. nossa: assim como Jasão em sua busca do velo de ouro], logo ao final da [Segunda] Guerra dando um grande passo para mudar o papel do Estado na condução da economia. Na Inglaterra, isso somente foi rompido no governo Thatcher”. Reparemos como as esquerdas, péssimas usuárias dos conceitos, usam a palavra “consenso” como se um consenso só pudesse ser válido e correto. Lembramos que no século XVII, havia um forte consenso de que a Terra era plana e as rãs nasciam do limo... Mas, no século XX, um tal de Jürgen Habermas andou dizendo por aí que a verdade é consensual. Supondo que seja mesmo, ponhamos teorias científicas em votação. A teoria verdadeira será a que tiver mais votos.

É procedente que houve um grande passo na mudança do papel do Estado. Um passo pra trás, pois ele mudou para pior. Antes cabia a ele essencialmente estabelecer as regras do jogo, fiscalizar e punir adequadamente os infratores, mas depois ele passou a ser o Estado-Empresário, participando ativamente de um jogo que cabia a ele ser o árbitro. Desse modo, o Estado-Árbitro-e-Fiscal passou a ser o Estado-Empresário-e-Papai-Noel, pois inventou esse assalto ao bolso do cidadão chamado “redistribuição de renda” (geralmente via imposto sobre riquezas e outros progressivos) em que a atividade-meio costuma consumir mais dinheiro do que a atividade-fim, para a festança dos burocratas estatais.

O saudoso Roberto Campos costumava dizer que, na referida repartição do bolo, tudo o que importa é quem é o dono da faca. Um antigo provérbio português tem também cá o seu lugar: “Quem parte e reparte, e para si não tira a melhor parte, é um tolo ou no partir não tem arte” É claro que o Estado-redistribuidor desagrada intensamente a um autêntico liberal – rarissima avis! – porém agrada profundamente os que acreditam piamente na eficiência e na lisura do Estado ao desempenhar seus novos papéis.

No Reino Unido, após a Segunda Guerra, sucessivos gabinetes trabalhistas (i.e. do Labour Party) conduziram o país a uma mastodôntica burocracia e a uma estagnação eco-nômica. Isto acabou transformando o Reino Unido no 4º PIB da Europa, logo atrás da França e da Itália. Foi aí então que o Partido Conservador (os Tories) conseguiu fazer maioria na Casa dos Comuns e apontaram Margaret Thatcher como Primeiro-Ministro. Enfrentando grande parte da mídia e da opinião pública, Thatcher se deparou ainda com a mais longa greve dos mineiros do ferro e infindáveis passeatas contra a privatização de mastodônticas e inoperantes estatais. Para encurtar a história: quando Maggie, The iron lady, passou o cargo a seu correligionário, John Major, a Inglaterra já se encaminhava para ser o que hoje é: o 2º PIB da Europa, somente atrás da Alemanha, mas creio que não por muito tempo atrás da mesma.

Mas aconteceu com essa corajosa e decidida mulher exatamente o que dizia Virgílio: Sic vos non vobis nidificatis avis (Assim, vós aves, não fazeis o ninho para vós), ou seja: ela tomou as medidas corretas e, apesar de amplamente odiada, não estava em busca do aplauso fácil que despertam as imediatistas e agradáveis medidas, que se revelam posteriormente extremamente desagradáveis. Ela preparou tudo para a festa, mas não comeu nem um salgadinho... Quem se refestelou foi o “violinista” Tory Blair, que não só não reestatizou as estatais privatizadas por Maggie como também nada acrescentou de positivo ao programa conservador (Tory). Dizem que isto é o tal do “neotrabalhismo”, porém parece mais um criptoconservadorismo com vergonha de mostrar sua verdadeira cara. [nota: Como se sabe, o Poder é como o violino: é tomado com a esquerda, mas tocado com a direita]. De acordo ainda com Coryntho Baldez, “Mesmo a política econômica no Brasil adotou pressupostos keynesianos, em iniciativas como o Plano de Metas do Presidente Juscelino Kubitschek”. De fato, com a construção da Ilha da Fantasia e com uma gastança sem peias, Juscelino fez crescer enormemente nossa dívida externa. Tal como José Sarney – o pior presidente que o Brasil já teve, depois de Lulla, é claro – Juscelino rompeu unilateralmente contrato com o FMI, dando um belo exemplo para futuras bravatas inconseqüentes, que prejudicaram bastante a credibilidade do Brasil nos meios financeiros internacionais, coisa que levou bastante tempo para ser recuperada.

Resumo da ópera: Não foram as idéias keynesianas as responsáveis indiretas pela construção de Brasília. Foram a estatolatria associada à megalomania e ao narcisismo juscelinistas que produziram o mostrengo. Para os militares contaram a lorota que transferir a capital do litoral para o interior era medida estratégica. Realmente, evitar a tomada da capital foi uma medida estratégica até o dia em que o abominável Napoleão tomou Moscou, mas o Czar não se rendeu: mudou-se temporariamente para a Sibéria e, posteriormente, fustigou a retaguarda do exército napoleônico em fuga da Rússia. Para as grandes empreiteiras, disseram que não se tratava de inventar obras estatais tão colossais quanto supérfluas, unicamente para aquecer a economia, como aliás recomendava um dos cânones do keynesianismo, disseram que se tratava de construir um Novo Brasil, sem levar em conta reles interesses pecuniários.

Finalmente, para o povo em geral, disseram que se tratava de povoar e desenvolver o Brasil central. Mas não disserem que, para tal fim, eram medidas inócuas transferir a burocracia de um lugar para outro e edificar palácios reluzentes para alojar burocratas. Na realidade, não eram medidas exatamente inócuas, pois produziam efeitos ainda que negativos. Por exemplo: foi jogado o dinheiro dos contribuintes na lata de lixo da história, como se estivessem jogando ovos podres, isto para não falar na Ilha da Fantasia onde passou a habitar uma Nomenklatura cínica e perdulária isolada dos grandes centros e do contato com o povo.

Lembremos que logo no começo do artigo de Coryntho Galdez, ele afirmou que a grande controvérsia entre keynesianos, propugnando investimentos estatais para aquecer a economia e entre economistas que, seguindo o Consenso de Washington, entendem que o papel do Estado não é intervir no mercado – a não ser criando leis adequadas contra monopólios e quaisquer outras coisas que impeçam o livre jogo da oferta e demanda, bem como a concorrência leal – mas sim criar condições favoráveis ao empreendedorismo.

Em nosso livro: Liberdade ou Igualdade? (Porto Alegre, Edipucrs, 2002), procuramos mostrar que o mundo atual tem à sua escolha duas alternativas mutuamente exclusivas e exaustivas. Com a morte do socialismo totalitário de Marx, a batalha que se trava hoje é liberais – como Friedrich Hayek, Milton Friedman, Robert Nozick etc. contra social-democratas – ou segundo Roberto Campos, “comunistas envergonhados” - como Keynes, Galbraith, Myrdal etc., que propõem coisas tais como imposto de renda progressivo, seguro desemprego vitalício, pensão vitalícia para mães solteiras, ação afirmativa e outras medidas paternalizantes e/ou demagógicas, que correm o sério risco de destruir a verdadeira liberdade, sem conseguir alcançar uma quimérica igualdade.


Nota do Editor: Mario Guerreiro (yperion@bol.com.br) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "OPINIÃO"Índice das publicações sobre "OPINIÃO"
31/12/2022 - 07h25 Pacificação nacional, o objetivo maior
30/12/2022 - 05h39 A destruição das nações
29/12/2022 - 06h35 A salvação pela mão grande do Estado?
28/12/2022 - 06h41 A guinada na privatização do Porto de Santos
27/12/2022 - 07h38 Tecnologia e o sequestro do livre arbítrio humano
26/12/2022 - 07h46 Tudo passa, mas a Nação continua, sempre...
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.