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Crônicas
18/06/2007 - 09h36
Literatura de sovaco
Luiz Guerra - Agência Carta Maior
 

Quando cursava a minha primeira faculdade incompleta, em meados dos 1970s, falava-se muito, nos botecos de Vila Isabel freqüentados por alunos da UERJ, em literatura de sovaco - o cara não lia xongas mas fazia questão de aparecer na frente dos colegas com um tijolão de autor cabeça debaixo do braço. E ao longo dos meses trocava mais de tijolão do que de camisa, erigindo um currículo de leitor dos mais invejáveis. Mas era quase sempre leitor de orelhas, narizes e contracapas, como pude comprovar mais de uma vez em nossos bate-papos etílico-literários.

Em noite de muita birita e discussão ideológica numa daquelas abençoadas esquinas do velho Boulevard (havia então mais bares sórdidos), deparei-me com um que jurava ter lido Ulisses em apenas dez horas. Forte e decidido, ia de mesa em mesa vendendo o seu peixe e tirava a maior onda com aqueles que só conheciam de nome o romance de James Joyce.

"Ulisses é uma grande paródia!", gritava o maioral, como um Buck Mulligan dos trópicos, espumando de chope e sapiência.

Convencido de que o malandro dizia a verdade e que praticamente havia
devorado o nosso dificílimo irlandês - mas não em dez horas; nisso eu tinha certeza que o cabotino exagerava -, pedi-lhe que me explicasse esse negócio de paródia. Ele não se intimidou com o vozeirão meio bêbado do futuro cronista e respondeu na bucha:

"É a grande paródia dos tempos modernos. O lance de Leopold, o lance de Stephen Dedalus, o lance de Molly Bloom. Paródia pura."

Tinha muito lance nessa história, e achei que devia insistir:

"Paródia como? Não li o livro mas ouvi dizer que ele tem uma certa relação com a Odisséia, de Homero. É paródia de Homero?"

"Que Homero, meu chapa! O homem revolucionou a literatura universal, e você me aparece com esse papo de Homero?"

Todos olharam para o meu lado, fechando o cerco intelectual. Calei o bico, vermelho como um dublinense depois de umas e outras, e afoguei minha vergonha num traçado de anis. Para dizer a verdade, vários traçados de anis, morrendo de inveja do outro. E olhem que na ocasião eu mesmo sobraçava um Hermann Broch em tradução francesa que entre nós só o jornalista Franklin de Oliveira e o imbatível Otto Maria Carpeaux tinham lido. Era currículo pra burro.

O fato é que ainda levei dois ou três anos para descobrir que o cara não
tinha lido droga nenhuma, só pelo lance de Homero. Mas naquela noite o ilustre sovaqueiro ganhou todo mundo no grito e ainda esticou com a melhor garota da turma.

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