O ser humano, de uma maneira geral, é conciliador. A gente não gosta muito de brigar e, se o fazemos, é só em casos de última necessidade. Prova disso é o medo que a gente tem de falar “Não gostei”. Já percebeu como a gente enrola pra falar não gostei? Se a gente gostou de uma coisa, a gente fala ali, na lata: Gostei!, com exclamação e tudo o mais. Às vezes, até arrisca um A-DO-REI dito assim, separadinho, para dar mais ênfase. Mas, se a gente não gostou do troço, a gente arruma um monte de jeito de enrolar o mais que puder. - E aí, querido, o que você achou do meu pudim? - Pudim? - É, esse pudim aí, que você está mexendo com o garfo faz meia hora. - Ah, ESSE pudim? - É, esse, qual outro pudim que tem por aqui? - Não, é que eu pensei que isso fosse uma... - Uma o quê? - Bem, uma... outra sobremesa, sabe, como chama aquilo mesmo? - Aquilo o quê? - Aquilo, que os deuses comiam? - Os deuses? - É, os deuses do Olimpo da Grécia, eles bebiam o néctar e comiam a... am... - Ambrosia? - É, ambrosia! - Puxa vida, mas você gostou tanto assim? - Hum, é que eu, bem, eu adoro experimentar comidas diferentes, sabe? E esse pudim, ele... - Ele é diferente? - É, é isso, ele é, hum, diferente. - Então porque e que você só fica aí mexendo com ele com o garfo e não come? - É que... é que... eu queria ver se descobria como é que você, hum, conseguiu uma... uma... textura como essa... - Textura? - É, esse jeitão assim, de... de... hum, de pasta. - Pasta? Você está dizendo que o meu pudim está parecendo uma pasta? - Não, pasta não, de modo algum, o pudim... ele está assim, mais para... para... - Cremoso? - É, é isso! Cremoso. E essa coloração assim, amarronzada, dá para ele uma aparência de... - Como assim, amarronzada? Onde é que o meu pudim está marrom? - Marrom? Eu disse marrom? Não, eu quis dizer... bege! É isso, bege! - Bem, dá muito trabalho, sabe, tem que ficar horas mexendo no fogão. - É, você é uma mulher bastante esforçada, é por isso que eu me casei com você. - Obrigado, querido. E os dois se beijaram apaixonadamente, como não se beijavam há muito tempo. Parecendo dois adolescentes, acabaram a noite no tapete da sala, entre almofadas, roupas e controles remotos. Ele já quase dormindo, ela com o olhar perdido em alguma parede da sala. - Benhê, você não vai comer o resto do pudim?
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