Lembro-me bem dos medos que tinha na época de criança. Naquele tempo, criança tinha medo de mula-sem-cabeça, saci-pererê, lobisomem, bruxas e rainhas más de clássicos infantis e da Cuca do Sítio do Pica-pau Amarelo. Criança tinha medo de escuro, de injeção, do “homem do saco” e de sombras na parede. Criança tinha medo de história de vampiro, de fantasma em casa mal-assombrada, de barulho de trovão, chuva forte e despacho na encruzilhada. Hoje, porém, os medos são outros. Criança tem medo de sair à rua por causa da violência. Tem medo de passear na Cidade Maravilhosa, medo de tiros cruzados, bala perdida, de briga de galera. Criança tem medo de polícia subindo os morros, de seqüestro e de assalto. Tem medo até de galinha, que só conhece congelada na gôndola do supermercado. Criança hoje tem medo, inclusive, de tomar sol sem protetor solar. Quando criança tinha medo de tubarão-branco, onça-pintada, orangotango e de jacaré. Hoje, as crianças temem que estas espécies sumam do mapa assim como os dinossauros, que viraram peças de museu. Tinha medo de adoecer e não poder brincar na rua. Catapora, sarampo, caxumba, coqueluche eram doenças que a gente ouvia falar. Hoje, as crianças crescem escutando outras: Aids, câncer, depressão, estresse, bulimia e anorexia. Vírus era quase um sinônimo de gripe. Hoje é temido o vírus Ebola e a bactéria Antraz. E o vírus de computador é sempre uma ameaça. As crianças de hoje têm medo de beber água da bica, andar descalço na enxurrada, nadar nos rios e comer fruta no pé. Escutam tanto falar sobre poluição, doenças causadas por água contaminada, agrotóxicos, lixo químico e biodegradação que não sabem nem o que contém o ar que respiram, além do oxigênio. Ar puro? Deve ser aquele entubado em balões de oxigênio nos hospitais, devem pensar. Nem passa pela cabeça de uma criança o simples ato de outrora de chegar na casa de um amigo, encontrar a porta escancarada, a janela aberta, o muro baixo, sem tranca no portão e ir entrando, batendo palmas e gritando: Ô DE CASA!!!! E encontrar aquele cheiro de café passado no coador de pano misturado com o de broa assando no forno. Hoje, é preciso interfonar, anunciar, chamar o porteiro, ligar pro celular, ou melhor, binar, avisando que está na portaria. Criança, hoje, tem medo de autoridades corruptas, que mentem até sobre o açougue que comercializa carne e inventam histórias somente com vilões. Criança de hoje tem medo de ver nos telejornais a Ministra do Turismo responder, com frase chula, a pergunta dos jornalistas sobre a confusão nos aeroportos, causada pelo caos no transporte aéreo brasileiro: RELAXA E GOZA! É assim que devemos deixar que eduquem nossas crianças? “Ah! Isso não é nada”, “Esquenta a cabeça não”, “Empurra com a barriga”, “Relaxa e Goza”. Eu quero GOZAR E RELAXAR. Quero gozar de um sistema de saúde que funcione para mim e para todos, de um trabalho digno e os frutos que ele dá. Quero gozar de um caráter que me leve sempre para o caminho do bem. Quero gozar de uma vida íntegra e ser útil para a construção de um mundo melhor e não para destruí-lo. Depois quero relaxar, tendo a consciência do dever cumprido. E você? Você tem medo de quê? Nota do Editor: Cláudia Figueiredo Modesto é jornalista, chefe de Produção da Rádio Panorama FM, professora universitária, da Faculdade de Comunicação Social (UNIPAC) de Juiz de Fora/MG.
|