O pessoal sempre cita a lagarta que vira borboleta. Pode ser em aulas de ciências, ou quando querem dar uma lição de vida, sempre aparece alguém contando a história da lagarta que vira borboleta. Quando a gente estuda ciências, até que tudo bem, a metamorfose é um item inevitável da biologia. Mas pode ver como eles exageram nas aulas sobre lagartas e borboletas. Os girinos, por exemplo, que se metamorfoseiam em sapos, também são ensinados, é claro, mas muito mais rapidamente. Deve ser porque ambos, girinos e sapos, são meio nojentões, e isso sem falar na própria transformação, que é uma coisa meio filme de terror, sabe, o girino vai perdendo a cauda, depois nasce uma perna, depois nasce outra, tudo ali, a céu aberto, uma coisa meio macabra mesmo, então as professoras não falam muito deles. Agora, na hora de falar da transformação da lagarta em borboleta, as professoras enchem a boca. Na maioria das vezes, fazem até uma experiência em classe, trazendo algumas lagartas e esperando elas se transformarem em borboletas, e quando elas surgem de dentro de suas crisálidas, fica todo mundo boquiaberto do milagre daquele bicho horroroso ter se transformado de uma hora para outra naquele arco-íris voador, umas menininhas chegam mesmo a chorar quando vêem a coisa toda acabada. E, como se não bastasse, a gente ainda tem que agüentar durante o resto da vida os caras tentando levantar a moral da gente, citando a tal da lagarta e da borboleta. Que mesmo o mais rasteiro dos seres humanos pode um dia se levantar e se transformar num novo ser, assim como a lagarta que se transforma na borboleta, representando a ressurreição para uma vida nova e gloriosa, livre de conceitos materiais e repressões. Dá mesmo até vontade de vomitar. Porque, eu fico pensando, e se a coitada da lagarta não quisesse se transformar em borboleta? Porque ser borboleta é um saco, se você pensar bem. Enquanto a lagarta fica ali, na dela, comendo quilos de folhas o dia inteiro, a borboleta tem que ficar voando que nem uma desesperada, de flor em flor, tentando se alimentar por um tubinho que não dá nem para o gasto. Eu aposto que, se tivesse escolha, a lagarta não se transformava é em porcaria nenhuma. Afinal, quem é que disse que a gente tem sempre que evoluir? Por que diabos a gente não pode ficar exatamente como está, sem ficar crescendo e progredindo? Será que não dá pra ficar parado um pouco, e curtir a vida do jeito que está, oras?
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