Vou tirar o dia para falar merda. Vai ser uma loucura. Preparem-se: acordei especialmente azedo. Hoje, ninguém me segura. Vamos lá. Mais uma vez, nossa imprensa esportiva me inspira. Resolvi fazer uma experiência demencial. Vou resumir algumas obras famosas da literatura e do cinema da mesma maneira como nossa crônica esportiva resume e comenta partidas de futebol. Vocês sabem: para o jornalista brasileiro, o time que venceu nem sempre jogou bem (depende do palpite que tínhamos antes do jogo; se era positivo, jogou bem, se era negativo, venceu apesar de jogar mal), mas o time que perdeu sempre jogou mal. Todos os gols, sem exceção, surgem de alguma falha, e se alguém está mal é porque não tem velocidade e criatividade. De preferência, não tem nenhuma das duas coisas. Assim, você vai ao campo e vê uma coisa. No dia seguinte, o jornal descreve coisa completamente diferente daquilo que seus olhos testemunharam. Agora, vou me vingar. Como o jornalista, supostamente, é alguém que preza os bens culturais, vou fazer com o que eles dizem que gostam o que eles fazem com o que eu sei que gosto. Vai ser supimpa. Tudo meio fora de ordem, que é pra mostrar como sou revolucionário e vanguardista a não mais poder. Eu sei, a grande parte dos livros que aqui são citados essa turma só finge que leu, e, portanto, a maioria não vai entender nada. Tudo bem. Há sempre a possibilidade de se fingir mais um pouco. Vejam se aprovam as seguintes sinopses para as seguintes obras. Comecemos pelos clássicos e, depois, desandemos de vez: Teogonia, de Hesíodo: Pornografia desenfreada em que acontece um pouco de tudo. Começa com o céu comendo a terra, se prolonga com a maior seqüência de sexo bizarro de toda a História e termina em putaria generalizada. Para se ter uma idéia da baixeza da coisa, lá se pode encontrar um sujeito que, esporrando no mar, dele faz surgir uma mulher irresistivelmente gostosa. Outro camarada sai da coxa de um terceiro, e tudo isso só para matar o Tempo. Tem uns trechos dionisíacos que são do bacolacobaco. Ilíada, de Homero: Ação e Aventura. Veadinho fracote porta-se mal na casa dos outros e foge com perversa adúltera que, para piorar tudo, é a mulher do anfitrião. A fuga do casal provoca a pior guerra daquela época, travada entre duas cidades cujos nomes desgraçadamente não me ocorrem agora. Para piorar a coisa, o veadinho tenta se esconder atrás do irmão mais velho, mas um brutamontes leva o tal irmão para passear de carro e ele nunca mais volta. Depois, à covardia, a bichona se vinga e dá cabo do valentão (meio metido a invulnerável) acertando-lhe justo no calcanhar de Aquiles (que azar, hein? O camarada pagou o preço por esquecer que todo mundo tem um calcanhar de Aquiles.) e aí a coisa pega pra valer. No final, a cidade do veadinho cai no truque mais velho do mundo (será que eles nunca haviam ouvido falar em presente de grego, meu Deus?) e todos dançam miudinho. Ilíada II, de Homero: Como toda continuação, é uma merda. No Brasil, recebeu o nome de “Odisséia”, vê se pode. Na esteira do sucesso do verão anterior, agora o malfadado bando de saqueadores, após o butim, é amaldiçoado por deus vingativo, bárbaro e bêbado. Todos morrem no meio do caminho de volta, exceção feita a certo rei protegido por uma deusa, ao que tudo indica louca pra dar pra ele. A pobre acaba dando a maior Palas de suas verdadeiras intenções, mas seu queridinho prefere ficar com a esposa (uma mina que aparecia direto na Corrida Maluca e que, nesta história, faz uma ponta) que havia abandonado há 20 anos (na época, ele saiu dizendo que precisava comprar cigarros). Conformada, a deusoca ajuda-o a chacinar metade de seus próprios súditos para garantir esse intento. Todos vivem felizes para sempre. Menos os tais súditos. Dom Casmurro, de Machado de Assis: Drama Policial. Maníaco psicopata tenta envenenar o próprio filho porque críticos literários nascidos dois séculos depois de sua morte (a do maníaco) convencem-no de que ele é corno. Falha porque é cagão, mas depois a sorte lhe sorri. Obra importantíssima, costuma cair muito em vestibulares e, por isso, aparece sempre de maneira oblíqua nos simulados. Acho que é isso. Vidas Secas, de Graciliano Ramos: Família de retirantes tenta chegar a São Paulo assim que recebe a boa nova de que Erundina foi eleita (a história é super antiga, entendem?). Soldado japonês tenta impedi-los e eles, por motivos desconexos, partem para a zoofilia ou coisa que o valha. Como sempre acontece a esse pessoal, todos acabam mal. Recentemente, o livro entrou para o index da Ong “Save the Whales”. Muito justo. Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa: Comédia Nonsense. Sertanejo homossexual recôndito e supersticioso passa 500 páginas tentando se justificar, mas se confunde todo e, no final, não engana ninguém. Chega de livros. Passemos aos filmes. Os cronistas esportivos de hoje em dia são cinéfilos inveterados, coisa típica de quem não agüenta ler muito tempo sem dormir. Adoram um filmezinho europeu, mas também curtem referências ao circuito comercial supostamente mais clássico, que julgam identificar pelo afastamento no tempo. Vamos ver como eles se sentiriam se, depois de assistir aos filmes abaixo citados, lessem os seguintes resumos: O Poderoso Chefão, a trilogia, de Francis Ford Coppola: Bang-Bang à Italiana. Família de carcamanos luta encarniçadamente pelo poder na Mooca dos anos 30 e 40 e, mais tarde, na Nova York dos anos 90. Irmão liquida irmão, padres sãos estripados, envenena-se o Papa, o diabo. Quando vai chegando o final de cada filme, há mais chacinas do que no Capão Redondo e no Jardim Ângela, juntos e multiplicados pelo número de pessoas que sabiam o que aconteceu a Celso Daniel mas que, agora, estão dormindo com os peixes. Surpreendentemente, no final ninguém vai em cana porque o diretor, que a gente logo vê que não é do ramo, faz tudo parecer um acidente. Gladiador, de Ridley Scott: Comédia de Erros. Johnny Bravo naturaliza-se espanhol e tem mulher e filhos currados e mortos porque lhe metem em confusão com bichona de lábio leporino. Enlouquecido, resolve sair matando gente que não tem nada a ver com a história. Entrementes, o do lábio leporino vai lá e manda ver, meio na marra, na própria irmã. Nesse ponto, a coisa começa a sair do controle e ninguém entende muito bem mais nada. O Gladiador então enlouquece de vez, torna-se famoso matemático, ganha um Nobel e um Oscar e, de quebra, manda ver naquela menininha de Labirinto que já havia passado na mão do David Bowie. O Iluminado, de Stanley Kubrick: Camarada é contratado por um hotel lindíssimo que, no inverno, fica abandonado. A intenção dos honestos empresários que o empregam é, única e exclusivamente, conseguir alguém que lhes preserve o patrimônio ao longo desse período de inatividade. Inexplicavelmente, uma vez lá dentro o sujeito põe-se a fazer justamente o contrário e destrói o hotel todinho, quebra coisas, suja tudo, faz um monte de porcaria. Um pecado. Je vous Salue Marie, de Godard: Suspense. Frentista metida a santa, mas que gosta mesmo é de bater um basquetinho, faz pobre taxista de trouxa. Ou não. Ao mesmo tempo, professor pedófilo manda ver em aluninha travessa. Ou não? Uma coisa não tem nada a ver com a outra e, no final, fica tudo por isso mesmo. Ou não. Bambi, de Walt Disney: Animação orquestrada. Mascote do São Paulo Futebol Clube envolve-se em mil e uma aventuras loucas. Pouca gente sabe, mas ele tem até uma namorada cujo nome é... Falina. Isso mesmo. Falina. Algo assim como uma mulher fálica. A mãe dele é assassinada (ou morre de gonorréia galopante, não lembro bem), mas no final o trio de arbitragem resolve tudo. Na versão dublada, Juca Kfouri empresta a voz ao cervo sapeca sempre que necessário. Gostaram, macacada? Hein? Provaram um pouco do próprio veneno? Hein? Viram como é bom? Que tal parar de resumir jogos inteiros numa frase só, e apoiando-se em esdrúxulas edições dos melhores momentos? Que tal parar de emitir os vaticínios mais peremptórios do mundo quando o cronômetro aponta cinco minutos do primeiro tempo? Hein? Que tal parar de apontar os erros dos árbitros como fatais e imperdoáveis, se eles forem contra nosso palpite, e como irrelevantes, se ao nosso encontro eles calharem de vir? Hein? Não fica melhor pra todo mundo? Que me dizem? Por enquanto, é só. Para a semana que vem, guardei uma paródia do modo como os especialistas em vinhos falam de vinhos. Vai ser fantástico. Não percam. Prometo que arrumo um meio de ofender são-paulinos. Não vou deixar vocês na mão. Até lá, divirtam-se com a volta do meu blog, que esteve inacessível por falta de pagamento. Volta amanhã ou depois. Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.
|