Breve abordagem ideológica
O autêntico caipira é um pobre coitado no qual pela inoperância da política educacional lhe foi tirado o direito dele se expressar corretamente na língua-mãe portuguesa. As festas juninas podem ser vistas como o ato de debochar das péssimas condições que o sertanejo vive: vestimentas miseráveis e ridículas; dentes podres; barba por fazer, botinas velhas; economia de subsistência - alimentação pobre em proteínas e a uma música que soa por demais rasa e repetitiva. As festas juninas travestidas com as cores vivas do nosso folclore, do inebriante sincretismo religioso, de muito barulho e movimento, fazem com que a ideologia cumpra seu papel: o excluído social se alegra com a condição miserável que aprendeu a aceitar como natural. Os livros didáticos ainda retratam a vida e o homem do campo com tons bucólicos e felizes, ignorando os conflitos pela terra, as dificuldades que o pequeno produtor tem em lidar com o crédito rural e a febre aftosa. Dessa forma os péssimos livros didáticos perpetuam os ideais de uma classe dominante que nenhum compromisso tem em diminuir as desigualdades sociais. Adentrando nesse Brasil rural e repleto da cordialidade e trejeitos dos “cumpadres e cumadres”, outras mazelas seculares ainda persistem: escolas inacessíveis construídas em míseros casebres, educadores que ganham metade de um salário mínimo; tétano, zoonoses, seca, alta mortalidade infantil devido à falta de saneamento básico. Segundo dados do IBGE, no Nordeste, mais da metade dos municípios não conta com rede de abastecimento de água e de esgotos. Não há nada de engraçado em ser caipira, rural e sertanejo. Imitá-lo é piada de mau gosto. Imagine a seguinte situação, alguém lhe diz: - não entendi a piada! E você responde: - não entendeu a piada porque você era a piada! Fazendo parte da história risível, perde-se o referencial externo e não se identifica a falha de lógica que é a mola-motriz do humor. Mazzaropi interpretou a personagem caipira repleta de esperteza. Por que ele fez isso? O que ele tentava resgatar e denunciar? Aqui me reporto ao autêntico caipira, que está repleto de verminoses e tem unhas imundas. Aquele outro “caipira”, que aprendeu a desmatar para criar boi, plantar e vender soja, que ensinou aos índios como usar a motoserra e embebedar-se, seria melhor chamá-lo de “lobbista rural”. Sobre péssimos livros didáticos, ainda vejo neles o equívoco em retratar o índio de forma romântica, à moda de Alencar. A história das populações indígenas transformou-se noutra caricatura, mostra-se aos alunos o índio como um fóssil vivo. Por que os livros didáticos não ensinam que o maior genocídio não foi somente aquele praticado pelos nazistas nos campos de concentração, mas ocorreu nas Américas, nos primeiros anos da colonização contra uma população indefesa que não possuía tecnologia bélica? Os péssimos livros didáticos foram escritos para aqueles professores que não têm tempo em preparar suas aulas, porque ao receber um mísero salário precisam trabalhar em três períodos para tentar viver com um pouco de dignidade. Ensinar aos alunos a pensar com o criticismo kantiano, travar um diálogo sociológico com o que está aí pronto para ser consumido e festejado e ser capaz de entender os sutis mecanismos da ideologia, implica em caminhar na direção oposta ao espontaneísmo “didático-pasteurizado” que está imperando no ensino público. Aos autênticos caipiras, mais digno seria fazer um minuto de silêncio do que soltar rojões e pular a fogueira. Nota do Editor: Nelson Pascarelli Filho é escritor da FTD. Diretor da Pascarelli Sciens. Consultor Científico-Educacional.Biólogo, Filósofo, Bacharel em Psicologia, Psicanalista.Palestrante do ROTARY CLUB, SIEEESP, AMEESP, ABITEP, ECOPLAN, SINPEEM, APROFEM, SINPROS; OAB, SABESP, Polícia Ambiental, Universidade São Judas Tadeu e diversas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação em todo o Brasil. Prof. Titular de Ciências Naturais da SME/ SP. Sua biografia foi incluída na Wikipédia em educadores brasileiros. 15 livros didáticos publicados e adotados em nível nacional.
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