É de maravilhar o poder de síntese e de transmissão de sabedoria que está contido no versículo do Gêneses que diz: "Homem, comerás o pão com o suor do teu rosto" ("No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás"). Deus aqui foi diáfano: explicitou a lei da escassez que é a razão de ser da ciência econômica e, de quebra, ainda condensou a plenitude do que conhecemos hoje como doutrina liberal. Senão vejamos: 1- Deus determina que o homem seja livre, e em assim sendo que ele dependa apenas de si para governar a sua vida econômica, sem ficar subordinado a terceiros e nem ao Estado; 2- Deus determina que o homem seja empreendedor, do contrário cairá na miséria; 3- Deus institui a propriedade privada, pois caberá ao homem os frutos do seu trabalho; 4- No mesmo gesto, condena o roubo e o parasitismo. Um homem adulto não pode depender de terceiros para a sua própria sobrevivência; 5- Condena a escravidão e outras formas de trabalho não livres; 6- O mecanismo das trocas fica implícito e também o da divisão do trabalho, visto que as habilidades individuais são boas para umas coisas e não para outras. É a instituição do próprio mercado; 7- O instrumento do trabalho é que dá dignidade por igual aos homens, excluindo-se por definição todas as formas ditas "socialistas" (na verdade, roubo com outro nome) de apropriação do produto do trabalho. A vida econômica de cada um deve ser virtuosa, respeitando o princípio da propriedade privada. * É um espanto para mim quando vejo amigos da Rede Liberal, iludidos com o ateísmo utilitarista, condenarem as religiões em geral e especialmente o catolicismo como supostamente contrárias às leis de mercado. O argumento acima prova rigorosamente o contrário. Menos ainda compreendo quando querem fazer crer que o Mercado (assim, em maiúscula, como se fosse um deus) pudesse ser o motor da História. A grande lição histórica é que a História não tem motor outro que não os homens e a sua consciência do momento em que vivem, especialmente a consciência do sagrado, que a tudo perpassa e formata. Dou um exemplo. O advento do nazismo nada teve a ver com o Mercado enquanto tal, assim como a sua própria extinção e ele tem grande relevância na história do século XX. Até onde posso compreender o nazismo surgiu como impetuoso movimento revolucionário de natureza socialista (nacional-socialismo) e racista, nada tendo a ver com os ideais liberais. E foi derrotado desde fora, pela força bruta, sendo o Mercado (alemão, europeu e mundial que seja) incapaz de corrigir essa falha clamorosa. Não há fato histórico tão marcante. Seja no seu advento, seja no seu ocaso, o nazismo foi produto da ação de homens conscientes do que faziam, doentio no caso de Hitler e asseclas, e absolutamente são e lúcido no caso da Inglaterra e dos EUA, conduzidos por homens que fizeram a diferença naquele momento. O mesmo poderemos dizer do comunismo. Este nasceu de golpes de Estado voluntaristas e claramente inspirado na Revolução Francesa ao arrepio das forças de mercado, fazendo do horror a ferramenta principal de sua vocação genocida. Não há nenhuma relação de causa e efeito entre o mercado e esses agentes patológicos da revolução, que estavam imbuídos da idéia antiqüíssima, de cunho religioso, de redimir o gênero humano ainda nesse mundo, contrariando expressamente a mensagem contida nos livros sagrados. Essa ânsia da criatura de querer substituir-se ao criador é a causa mais profunda e religiosa do pendor revolucionário. Infelizmente o mercado aqui nada pesou. A bolsa de valores de Moscou valorizou-se à subida de Lênin ao poder, nunca devemos esquecer disso, o mesmo que vemos agora nos tempos do PT. Da mesma forma, o ocaso dessas experiências políticas nefastas, como o da ex-URSS que se consumou e o que estamos a ver, passo a passo, na China, se prende mais ao mecanismo das gerações que se sucedem no poder do que propriamente ao Mercado, como poderia parecer ao olhar mais rasteiro dos utilitaristas. Ortega & Gasset escreveu textos memoráveis sobre o tema, bem como Eric Voegelin. A sucessão de gerações corrige os absurdos mais espalhafatosos e artificiais dos movimentos revolucionários originários, de sorte que o direito natural - o triunfo da natureza humana - vai pouco a pouco se colocando novamente, como faz um rio que transbordou do seu leito. Um dos motivos para eu me dizer liberal é que tenho absoluta consciência de que, assim, estou cumprindo a palavra de Deus. Os ateus nem imaginam que cumprem a lei divina ainda que não o saibam. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro (www.nivaldocordeiro.net) é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias.
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