Na verdade o chão tem pedras, / mas o tempo vence tudo. - Cecília Meireles No inverno, desvendo o céu cinza e turvo de manhãs fumarentas e nebulosidades cromáticas. Todos os cantos soam lentos diante do giro das asas do vento e os ângulos ficam curtos. Afinal, qual é a cor real do céu se aqui tudo é transitório? O vento forte e frio transforma o mundo em pêndulo e não sei como parar coisas e pensamentos. É como se tudo estivesse vencido. As flores do nosso canteiro adquirem cores oblíquas e redobro a atenção com a horta para que ela não fique enraivecida pelo mau-tempo: se as abandono, a vida se esvai facilmente como meninos. Esse rigor me tolhe por inteira e busco outras alegrias. Meu amado me acolhe mais, pois sabe que nada me conforta nessa gestação de pedras. É a minha estação de derrota: meu corpo, canteiro revolto, mãos azuis num mar furioso. E sua voz vem como onda generosa: está quentinha? Meu amado, prático e lógico, quer se aferrar a fatos concretos. Acende a lareira do meu espírito, pois sabe que estou sem mim. Tudo treme e não sei mais ser. Sinto demais: o fora, o dentro, o desencanto, o afastamento do mundo... Com o que posso me entreter? As rimas que mostro a você, meu amado, ficam nasaladas para meu desconsolo: quero proteger também as palavras do frio excessivo e tudo se consome nessa púrpura gasta do tempo e nos meses de exílio. A estação é a da incomunicabilidade, flores suspensas e limites, quando todos se escondem em casa sob luzes mortiças e acolchoados. Quer mais uma xícara de café? Chocolate quente? Um vinho do Porto? Uma sopa, talvez... Não vejo sorrisos espontâneos pela rua perante a fugacidade dos sonhos. Será que o Sol sabe o que faz? Por que tantas trovoadas e chuvas frias quando tudo pede silêncio? Vejo a imobilidade do mundo lá fora por janelas e vigias, enquanto estreita-me mais para que minha vida seja ardor e movimento. Sem você meu calor pararia. Quero brisas. Nota do Editor: Solange Solon Borges é jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta - emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.
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