A cantora canadense Shania Twain nasceu em 28 de agosto de 1965, mas pelo menos na TV ela aparenta pouco mais de 30 anos. Segunda mais velha de cinco irmãos, teve uma vida muito difícil, entre machados e serras elétricas, que aprendeu a manejar para ajudar o pai, capataz de reflorestadores. As lembranças de infância de Eilleen (este era o seu nome) não são agradáveis, mas tudo ficou mais complicado a partir dos 21 anos, quando ela perdeu os pais num acidente de carro e teve que assumir o sustento dos irmãos trabalhando em um resort. Trabalhar, fazer experiências no teatro e tentativas em programas de calouro no rádio e na TV, sem perder o hábito de ouvir, nas horas de folga, o country de Dolly Parton e Willie Nelson, as baladas de The Carpenter, Mamas and The Papas e outros. Mas não foi com esse pessoal que ela aprendeu a cantar, pois veio ao mundo com um passarinho na garganta. E estava tão convencida de que iria vencer na vida cantando que adotou o nome de Ojibway Shania, que significa "Estou a caminho". Quem conhece os trabalhos de Shania sabe que ela chegou aonde queria. GCI apurou essas informações com o mesmo cuidado que dedica ao levantamento de dados para a produção de algum texto jornalístico. Com esse zelo, ele aprendeu bastante sobre a cantora desde a primeira vez em que a viu na telinha de sua TV, recém-ligada ao sistema de transmissão a cabo. Um dos canais apresentava, quase todas as semanas, shows da canadense e quando ela começava a cantar, mesmo repetindo o repertório, o homem sentava diante do aparelho e aumentava o som. Durante muitos meses ele usufruiu o privilégio de assistir às apresentações, mas não procurou conhecer a tradução das letras. Ele nunca estudou inglês com empenho suficiente para obter nota máxima, por isso imaginava que eram letras tristes por causa dos arranjos e, principalmente, da interpretação da cantora. Tudo de acordo com a natureza de GCI: belas melodias, com tom nostálgico, acompanhamento perfeito etc. A família não reclamou quando ele suspendeu o contrato com a TV a cabo alegando que os sucessivos aumentos da mensalidade eram inaceitáveis. Tudo para recuperar o equilíbrio do orçamento doméstico, concordaram. Atrás do conformismo de todos estava escondida a satisfação de se verem livres para assistir a qualquer programa da TV aberta, porque o homem não estaria mais dominando o controle-remoto em sua eterna caça a Shania... Alguém, querendo agradar, deu-lhe um CD da cantora, que no entanto revelou imediatamente os defeitos de uma péssima cópia. A compra de um CD legítimo não empobreceria mais o homem, mas ele preferiu domar a vontade, deixar de lado o culto à artista canadense e aproveitar o tempo trabalhando. Num sábado ensolarado, por volta das 9 horas, antes de se dirigir ao porão da casa para iniciar mais uma longa sessão de trabalho extra, ele disse olhando nos olhos de cada um na mesa do café: "Hoje eu não posso atender nem a Shania Twain, pois tenho muito que fazer". Recomendou que não lhe encaminhassem chamadas telefônicas e muito menos o chamassem para atender um eventual visitante - qualquer um. As recomendações finais eram as de sempre. Um dia ele explicou que "Deus não castiga quando a mentira é necessária" e disse que todos em casa deveriam mentir descaradamente para as pessoas que por caso o procurassem durante suas horas extras no porão. Deveriam atender ao chamado com voz preocupada: "Puxa, eu pensei que GCI estivesse com você, pois está fora de casa desde ontem e nem telefonou para falar de seu paradeiro. Além disso, o irresponsável mantém o celular sempre desligado. Por favor, avise-nos se o encontrar por aí". Portanto, valia qualquer artifício que garantisse o sossego do homem nos seus trabalhos (revisão ortográfica, redação e edição, entre outros). Mas a ênfase em não atender nem mesmo Shania era inédita e definitiva, prova suprema de que ele queria dar conta das tarefas no sábado, porque no dia seguinte teria de ficar liberado para assistir ao futebol - "único programa que vale a pena na TV aberta". GCI já estava descendo a escada com seus papéis, mil anotações, sobre a ponta do nariz os óculos de leitura com receita vencida, o velho pendrive pendurado no pescoço com centenas de textos arquivados, e a cabeça fervendo por conta das tarefas que o esperavam. Passou por uma das filhas e, é claro, não viu o que estava estampado nos olhos dela: o desejo de ter-dinheiro-até-para-jogar-fora, uma fortuna que lhe desse o poder de resolver tudo com a rapidez de um soluço. Se tivesse essa riqueza, ela mandaria buscar a cantora imediatamente, no Canadá ou em qualquer outro lugar do mundo. Em seguida, antes que o homem entrasse no porão, anunciaria: "A Shania está lá em cima e quer falar com você..." Nota do Editor: Ivani Cunha (ivanicunha@gmail.com) é jornalista.
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