Em certos domingos eu ia com a minha avó e dona Candinha visitar seu Durval no asilo. Íamos no trem da Cantareira. O asilo ficava no Jaçanã, que anos depois ficou sendo um lugar famoso por causa da música de Adoniran Barbosa. Seu Durval era legal, mas meio fora de órbita. Ele gostava de me ver. Normalmente só recebia visitas das filhas e das netas, naquela época as mulheres não se interessavam por motos-contínuos. Seu Durval estava construindo um. A obra já durava alguns anos, começou quando ele foi morar no asilo. Antes esteve preso, depois decidiram que ele era mentalmente incapaz, eu nunca achei isso, para mim ele era normal. A história remonta à época em que ele, cansado da mesmice, resolveu sair da repartição e tentar a vida artística. Matriculou-se num curso de mágica por correspondência e estudou com afinco e dedicação. Aprendeu diversos truques com cartas e como tirar coelhos da cartola. Acontece que seu Durval era ambicioso, queria comprar um Cadillac. Para atrair mais espectadores ele resolveu fazer números mais complexos e difíceis. Com o dinheiro da venda de um terreno, contratou um mágico húngaro que o ensinou a fazer o truque da mulher serrada ao meio. Tudo caminhou bem, até a chegada da assistente gaúcha. A loura dos pampas encheu dona Risoleta de ciúmes. Dona Risoleta era a mulher dele, no começo ela foi a assistente, mas como era baixinha e gordinha, não atraia o público masculino e como sabemos, naquela época as mulheres de família não se interessavam por mágica. Seu Durval acabou notando e se encantando com os atributos da assistente e à medida que o tempo foi passando as coisas ficaram difíceis para o trio, na verdade, triângulo. Até que uma noite, com o coração corroído pelos ciúmes, Dona Risoleta mudou as configurações de segurança e quando seu Durval serrou a assistente, serrou mesmo, a pobre mulher morreu partida ao meio, espalhando miúdos na platéia. Deu até no repórter Esso, deixando Kalil Filho emocionado. Seu Durval, desde esse dia, ficou meio lelé, continuou assim até morrer. Dona Risoleta acabou casando com a mulher barbada do circo, que na verdade era homem e, dizem, muito bem-dotado. Mas do que eu gostava mesmo era de passear de trem, embora não pudesse pôr a cabeça para fora por causa das fagulhas da locomotiva.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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