O inusitado das vaias recebidas pelo presidente Lula é que, de fato, foram surpreendentes. Lula e o PT ficaram como o marido que flagra a mulher no ato de traição: mesmo que não queira, que não tenha força de vontade, terá que tomar uma atitude, nem que seja a de marido traído tolerante e manso, como tivemos um exemplo acabado no senador Suplicy e sua indomável Marta, feita ministra agora. A vida do sujeito passa por um súbito processo de mudança, pois não dá para ignorar tamanha concretude do fato, sua publicidade, não dá para dar as costas à realidade. Lula foi o marido traído pelo eleitorado carioca, uma esposa sempre infiel aos sucessivos maridos que desposou. Tanto que ele chegou para cerimônia de abertura dos jogos Pan-americanos sem um plano para enfrentar a adversidade. O mesmo pode ser dito da cobertura jornalística: o fato deixou atônitos todos os analistas políticos e mesmo a ótima Dora Kramer, em sua coluna no Estadão, errou feio ao revelar que enxergou o episódio pela ótica minimalista do marido que, mesmo traído, ainda quer manter a relação com a mulher flagrada com o Outro. E o que relevante nesse episódio? Em primeiro lugar, acabou a autoconfiança do Lula em matéria de comunicação política. Um observador atento sempre terá notado sua insegurança quando ele saía da linguagem dos lugares-comuns sindicais e "contra a ditadura", sua fragilidade conceitual, o artificialismo das propostas, o politicamente correto. Ainda assim construiu-se o mito de sua magia com as massas, que se enxergariam nele. Provou-se o contrário: em um ato protocolar em que o governante não tem como evitar a multidão, a reação espontânea seria previsível, sobretudo depois dos atropelos envolvendo a realização do evento, o caos aéreo, as denúncias de corrupção e, não custa lembrar, a reunião inusual de uma platéia numerosa e qualificada. Baixaram a guarda e então o golpe fatal aconteceu: Lula ficou mudo diante do mundo calado, pelo eleitorado em apupos sucessivos e prolongados. Uma tragédia política. Em segundo lugar, ficou visível a toda a gente que o jornalismo profissional brasileiro está assalariado ao PT e ao seu projeto político. Dois dias depois do acontecido, nenhum editorial comentando o fato, nem na Folha de São Paulo e nem no Estadão. A ordem é camuflar o desgaste de imagem do Lula. A ausência é notável, pois nada de mais importante em matéria política aconteceu nos últimos tempos. E mesmo pelo inusitado teria que ser levado em conta, não obstante sua importância. Todo mundo viu o vexame de Lula, mas vexame maior se deu a imprensa ao recusar aos leitores o relato profissional do fato, com destaque proporcional à importância que tem. Por fim, o mais importante: o marido traído tem que tomar ações. Que farão Lula e o PT? Parece evidente pelos fatos o divórcio do poder político com parte considerável e qualificada do eleitorado. Então, por bem ou por mal, os estrategistas do Planalto terão que se mover. A minha tese é que esse episódio, a despeito da vontade política dos formuladores, obrigará a que tomem iniciativas e como eu sei que tem uma inteligência totalitária manobrando nos bastidores e sei da previsibilidade de suas ações, temo pelo pior, que iniciem uma fase de enfrentamento. Consigo vislumbrar uma onda de ativismo político, do tipo megas-comícios com eleitorado cativo do PT arregimentado para fazer palco para Lula brilhar, a exemplo de Hugo Chávez. E também tentativa de "melhorar" a comunicação política do PT, aumentando o gasto na área de propaganda. E, por fim, ações que possam emancipar Lula da parte rebelde do eleitorado, que considero definitivamente perdido para seu discurso superado. Uma realidade assim pode levar os estrategistas às últimas conseqüências, ficando visível o cenário de perda da legitimidade dos governantes, com inevitáveis conseqüências para a governabilidade. O certo mesmo é que nenhum marido traído que flagra a mulher será o mesmo que antes. Nem Suplicy se manteve inabalável. A metáfora se presta muito bem ao que deverá ser um novo tempo para o PT, um corte histórico em sua ação política. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro (www.nivaldocordeiro.net) é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias.
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