Aprovar é fácil: é só deixar o sujeito ajoelhado no milho, manter uma cara impassível enquanto lê a matéria, fazer gestos de impaciência no uso compulsivo da caneta, dar mais atenção a qualquer interferência, especialmente se for insignificante e, no final, soltar um quase imperceptível ok. O difícil é ser aprovado, convencer o editor que o texto que ele tem nas mãos é o menor dos seus pesadelos. Ser aprovado é agir estrategicamente. Não basta escrever "bem". Não basta "gostar" de escrever (essas duas coisas brandidas como definitivas para a escolha da profissão). Precisa ser uma espécie de dramaturgo, incorporar linguagens alheias, acertar nos detalhes, encarar cada frase como se fosse a mais importante de todas. Não passe ao largo de uma oração, mesmo de uma palavra. Cada letra conta. Não se concentre no que você tem a dizer, mas no que você está escrevendo de fato. Quem é mídia (meio) não "diz" nada, pelo menos não dá bandeira do que está dizendo. Quem é mídia constrói arduamente sua ponte, coloca o granito e o asfalto na sua estrada, abre túnel em montanha, leva saco de sessenta quilos nas costas. Quem é mídia escuta, e escreve não aquilo que escuta, mas o que produz de pensamento orientado pela escolha das palavras. Pode parecer esotérico, mas a advertência aqui é você não perder tempo com a tralha da matéria, aquilo que deve ser jogado no lixo antes que o editor o faça. Surpreenda-o colocando apenas o essencial. Um truque é evitar coisas como "dão-conta-de-que". Como tem gente dando-conta-de-que ultimamente! Acho que nada no mundo dá-conta-de-que, só nas construções medíocres dos textos dispensáveis e ilegíveis. Notem como nos títulos da imprensa todos "sinalizam". Esse é o tipo de verbo recorrente horrendo, porque serve para qualquer coisa. Um verbo verdadeiro, que esteja à altura da sua matéria, é pepita rara que exige garimpo. Exercite-se na busca da palavra certa. Mas não vá usar "exatos" tantos-anos. É outra mania, essa de "exatos". É como usar "a rigor": imediatamente, a matéria ficaria rigorosa, pois não? Para escolher a palavra adequada (não a mais bonita, a mais estilosa, a mais explícita do seu infindável e ainda não reconhecido talento), é preciso raciocinar escrevendo. Sabemos o que estamos pensando ou percebendo se conseguirmos formatar o texto certo. O que você cria na linguagem é o que você consegue produzir de pensamento. Se você entender realmente o que está produzindo, o leitor irá também entender. Não transfira enigmas para o leitor. Não diga: ah, isso todo mundo sabe. Todo mundo não existe. Nem o leitor, nem as palavras são seus escravos. As palavras não obedecem ao que você previamente fica matutando. Você tem um insight, uma frase forte de abertura na cabeça, ou o perfil do seu esqueleto imantado, a prévia estruturação do texto vista através da névoa. Pois coloque no papel, no micro, e deixe que essa idéia te leve no colo. Para isso, precisa não só gostar de escrever ou escrever bem. Precisa ser soldado na guerra, aquele recruta faminto e solitário depois do bombardeio, que descobre uma batata num monturo e a devora antes que soe novamente a metralha. Se você for um desses, nenhum editor irá desprezá-lo. Quando você chegar com o texto, ele vai suspirar de alívio. "Enfim", pensará, "algo publicável". Mas não espere sorrisos dele. Um editor é, antes de tudo, um general que viu sua tropa morrer em seus braços. Ele sempre espera o pior. Nota do Editor: Nei Duclós é autor de três livros de poesia: "Outubro" (1975), "No meio da rua" (1979) e "No mar, Veremos" (2001); de um romance: "Universo Baldio" (2004); e de um livro de conto e crônicas: "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento" (2006). Jornalista desde 1970 e formado em História.
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