Brasil, meu Brasil brasileiro Meu mulato izoneiro, vou cantar-te nos meus versos... Caiu outro avião no Brasil. Eu achava que nunca mais veria aquelas cenas de corpos ensacados na calçada. Ou os familiares desesperados nos aeroportos. Ou a expressão aparvalhada, incrédula e impotente dos funcionários da companhia aérea, incapazes de dizer algo além de um número 0800 impossível de conectar... É quando nos sentimos um nada. O Brasil, samba que dá, bamboleio que faz gingar O Brasil do meu amor, terra de Nosso Senhor Brasil, pra mim, pra mim, pra mim... Brasil pra mim. O meu Brasil. Ah, mas o meu Brasil não é esse, não. Meu Brasil é outro, diferente. Meu Brasil respeita os brasileiros. Meu Brasil sua a camisa trabalhando. Meu Brasil leva as coisas a sério. Meu Brasil não foge à luta. Meu Brasil não abandona os brasileiros à sorte. Abre a cortina do passado Tira a mãe preta do cerrado Bota o rei Congo no congado Deixa cantar de novo o trovador A merencória luz da lua Toda a canção do meu amor... Meu Brasil não é feito de políticos, empresários, técnicos ou catedráticos. Meu Brasil é feito de homens. Tem honra. Assume as responsabilidades. Quero ver essa dona caminhando Pelos salões, arrastando o seu vestido rendado Brasil, pra mim, pra mim, pra mim... Pra mim dói, viu? Dói aquela mãe desfalecida no aeroporto, que podia ser a minha. Aquele filho que podia ser o seu. Aquele amigo que podia ser nosso. A tragédia que podia ser evitada... E dói o espetáculo que vem aí... Já vimos esse filme: a culpa não é de ninguém. Como desta vez não temos gringos pra culpar, será do piloto que morreu... Brasil, terra boa e gostosa Da morena senhora de olhar indiferente O Brasil, samba que dá, bamboleio que faz gingar O Brasil do meu amor, terra de Nosso Senhor Brasil, pra mim, pra mim, pra mim... Afinal, o Brasil é o país onde a responsabilidade deixou de existir. Ninguém mais tem culpa de coisa alguma. A culpa é sempre do sistema. É da economia. É da meteorologia. É da física. É da matemática. De uma entidade intangível. Jamais dos homens. Pelo menos não dos que teriam a responsabilidade. Mas seriam esses, homens? Ô, esse coqueiro que dá coco Onde amarro a minha rede nas noites claras de luar... A aquarela desse Brasil tem uma cor só: vermelho. Não o vermelho do partido. Nem o vermelho da vergonha de quem deveria, poderia e evitaria a tragédia. Mas o vermelho do sangue das vítimas do acidente, da bala perdida, do assassino impiedoso, do hospital desaparelhado, da torcida enfurecida. Ah, ouve essas fontes murmurantes Onde eu mato a minha sede E onde a lua vem brincar... Nunca antes neste país, como na propaganda, tudo o que ouvimos terminou em “ia”: poderia, seria, acharia, mandaria, assumiria, evitaria, contribuiria... Ia, ia, ia... Brasil, essa é tua sina. Tudo aqui “ia”. É o Brasil do Futuro do Pretérito do Indicativo, onde a única certeza é que a incompetência, desonestidade e deboche que terminam em tragédias não se conjugam com “ia”. Se conjugam com “ão”. Ah, esse Brasil lindo e trigueiro É o meu Brasil brasileiro Terra de samba e pandeiro, Brasil, pra mim, pra mim... ...Brasil! Nota do Editor: Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
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