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Crônicas
29/07/2007 - 10h24
O cachecol das aposentadas
Moacyr Scliar - Agência Carta Maior
 

Não faltaram histórias comoventes acerca das vítimas do acidente com o Airbus da TAM. Particularmente tocante foi o relato sobre as sete senhoras aposentadas. Com idades entre 75 e 85 anos, elas eram filiadas ao Sindicato dos Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul e, como muitas pessoas nessa faixa etária, sofriam com as baixas aposentadorias e com os atrasos no pagamento de precatórios (já notaram como são semelhantes as palavras precatório e precário?). Apesar das limitações resultantes da idade, elas protestavam. E protestavam de forma original. Durante dois anos, essas senhoras tricotaram, em conjunto, um cachecol de quase 200 metros de comprimento. Certamente o maior cachecol do mundo, digno de figurar em qualquer livro Guinness dos Recordes, e capaz de envolver qualquer pescoço, independentemente da grossura. Mas esse cachecol, que testemunharia de forma até bem-humorada a desconformidade das sete idosas, já não existe. Foi devorado pelas chamas que consumiram o avião e mataram as pessoas que nele estavam. No entanto, a lembrança ficará. Mesmo porque ela nos fala de coisas antigas, de arcaicas lendas e de arcaicas expectativas. Evoca as Parcas, as três deusas gregas do Destino, que também teciam, com algum misterioso fio, o futuro dos seres humanos. E evoca, sobretudo, aquela singular personagem da Odisséia, de Homero, que foi Penélope. Conta-nos o autor que Ulisses foi para a guerra contra Tróia deixando a esposa sem notícias (a falta que fazem o celular e o e-mail). Todos achavam que Ulisses tivesse morrido, e o pai de Penélope insistia com a filha para que se casasse de novo, coisa que ela, esposa fiel (e apaixonada pelo marido) não queria fazer. Mas, mulher inteligente que era, resolveu o problema de maneira inusitada: disse que se uniria a um dos numerosos pretendentes que enxameavam à sua volta, mas só depois que terminasse de tecer um certo manto. Aparentemente era uma tarefa de curto prazo, mas Penélope desfazia à noite o que confeccionara de dia e assim não se casava nunca.

O cachecol de nossas aposentadas não tinha a função do manto de Penélope; ele foi feito para ser entregue, para mostrar a governantes e ao povo a férrea disposição daquelas mulheres, disposição que resultava, simplesmente, da falta de alternativa. Mas as deusas do Destino, as Parcas, decidiram de outra maneira, decidiram pela tragédia. A história de Penélope teve um final feliz; a história de nossas aposentadas não. Mas a mensagem de ambas as histórias têm algo em comum: é preciso lutar, é preciso se esforçar, é preciso acreditar. Somos seres humanos, somos frágeis, e a qualquer momento nossa existência pode terminar brutalmente. Paciência. Não é por isso que vamos renunciar às nossas vidas, aos nossos sonhos, aos nossos direitos. Em nossas lembranças, o cachecol que essas senhoras fizeram permanecerá desfraldado, como uma bandeira. Tão gloriosa e tão comovente como o auriverde pendão de nossa terra, que a brisa do Brasil beija e balança. Estandarte que a luz do sol encerra e, ah, sim, as promessas divinas da esperança.

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