No final de uma tarde de domingo, quando tédio e silêncio corroíam o espírito da família, o gato surgiu súbito na janela da sala, claro e luminoso como uma notícia, uma boa notícia, mas logo o enxotaram. Saltou para a rua de onde viera, mas reapareceu minutos depois, que a chuva apertara lá fora e, talvez para se apiedarem dele, esfregou-se na vidraça como um enjeitado que, no entanto, prometia ser de boa índole. Por insistência das crianças, franquearam-lhe a entrada. Ele estudou o ambiente e só depois pulou para dentro. Cheirou um a um, andou pela casa como um fiscal e retornou à sala, em meio à desconfiança geral. E não só desconfiança. Estavam todos tão aborrecidos com seus próprios problemas que não viam a hora de despachar o visitante. Ele, no entanto, pretendia ficar. E passou a se entreter com um novelo de lã. Com patadas e saltos graciosos, o gato foi desenrolando a vida cheia de nós da família. Mais brincava, mais divertia a todos. E foi assim, sem mais protestos, que ele afinal ganhou casa e comida. Para sempre. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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