- Chamou, patrão? - Chamei. É claro que chamei. Chamei merrrrrmo. Vem pra cá, vem pra cá. Tenho um assunto muito sério pra tratar com você, Lombardi. Você sabe, a situação está difícil... - Sei, sei patrão. É só a audiência cair um pouco que você já quer mandar todo mundo embora. Chegou a minha vez, fazer o quê. Já vi esse filme antes aqui na emissora. - Pois é, mas eu não vi o filme. Eu não vi o filme mas o filme é muito bom. As minhas filhas de um a cinco... - Tá, tá, tá... já sei, já sei. - Não é nada disso, Lombardi. Ha hai, hi hi! Errou feio. Quebrou a cara. Ponto pras mulheres!! - Anda logo, Silvio, pula essa parte. - Mas você só tem mais dois pulos... - Ai, meu Deus, vai logo! - Tá bom, tá bom. Vamos ao que interessa. Você está comigo desde que o Silvio é Silvio. Desde os tempos da banquinha de canetas na Praça da República. Desde mil novecentos e Aracy de Almeida. Desde... - Sim, mas e daí? - São décadas de mistério, Lombardi. Ninguém sabe quem é você. Chegou a hora de ir pra frente das câmeras, mostrar quem é o dono da voz. Já imaginou? Sua aparição dar 90 de ibope. E então? Topa ou não topa? - Mas quanto é que eu levo nisso? - Meio milhão de reais, em barras de ouro. É dinheiro ou não é? - É. - Mais alto, mais alto, é dinheiro ou não é? - É, cacete, é. Agora chega de gracinha, Silvio. Chama o Abravanel aí, vai. Você disse que queria conversar sério. - Então, depois que você aparecer na TV e sair em todas as capas de revista, vamos criar uma atração pra competir com o quadro do chapéu, do Raul Gil. “O Lombardi é coisa nossa”, que tal? - E qual seria o público? - Senhoras e senhores, moças e rapazes, meninos e meninas. Pois é, e além do programa semanal você continua de hora em hora com o resultado parcial da Telesena. - Humm... - Durante a semana podemos estudar um talk-show. Estou mexendo na grade pra encaixar você. Talvez entre o remake do “Carrossel” e a reprise da “Chispita”. Ou aos domingos, entre o “Qual é a Música” e o “Pião da Casa Própria”. Agora, imagina só o que vem na esteira disso: O álbum de figurinhas do Lombardi, o biscoito de polvilho do Lombardi, o Lombardinho da Estrela... e a própria esteira do Lombardi. Ha Hai. Bem bolado, bem bolado. - Calma, patrão, eu tenho que pensar. - Tempo! (tic-tac de relógio) - O problema, Silvio, é que eu não sei se vai ser bom pra minha imagem. - Mas que imagem, Lombardi? Você nunca apareceu. Não tem nada a perder, tá me ouvindo? - Vai acabar o mito, o locutor que nunca ninguém viu o rosto, entende? Tudo por causa de uns pontos de audiência... - Se você fizer mais pontos, você ganha. Se você fizer menos pontos, eu não mando você embora. Combinado? E então, pára ou continua? - Não tem jeito mesmo. Não dá pra falar sério com você. - Lombardi, o que é isso, Lombardi? Guarda esse revólver! Sai pra lá, sai pra lá, volta lá pro seu lugar, oi... - Tem uma câmera escondida aqui, patrão. Vou gravar tudo e botar no ar em rede nacional. A audiência vai ser estrondosa. - Roque!!! - Do mundo não se leva nada. Vamos sorrir e cantar, Silvio.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
|