Na calada da noite, ou melhor, na madrugada do sábado, dia 4 de agosto, um jatinho especial enviado de Cuba por Fidel Castro apanhou no Rio de Janeiro os “desertores” Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara e os levou de volta à “Jóia do Caribe”, após breve escala em Caracas, Venezuela. Como se sabe, os dois pugilistas, campeões olímpicos na categoria peso-galo, abandonaram a Vila do Pan-Americano no dia 20 de julho, e se alojaram numa pousada de Praia Seca (“Estalagem dos Piratas”), em Araruama, região dos lagos do Estado do Rio. Os dois cubanos, alheios ao ideário castrista, que usa os atletas como arma de propaganda do regime ditatorial, aproveitaram uma brecha e fugiram do cerco da segurança. Em seguida, assinaram contrato profissional de cinco anos com o empresário Ahmet Oner, turco radicado na Alemanha, ligado à empresa Arena Box-Promotion – promotora de eventos esportivos. Enquanto o empresário, contando com os serviços do advogado Rafael Villena, se empenhava em arranjar visto de saída, os atletas se instalaram na Praia Seca, quando foram presos no dia 2 de agosto, “por volta das 17 horas, olhando o pôr-do-sol” - segundo relato de policiais da 25º Batalhão da Polícia Militar de Cabo Frio. Em Cuba, dez horas depois da fuga dos boxeadores da Vila do Pan, o ditador já sabia que os atletas não estavam na Turquia ou Alemanha, conforme divulgado pelo empresário Oner. E do seu bunker de Havana, convalescente, ordenou aos agentes da DGI (Direción General de Inteligência, aparato de espionagem criada nos moldes do KGB soviético em 1961) que capturassem os “desertores” a todo custo, visto que, se bem-sucedidos, eles serviriam de péssimo exemplo aos demais membros da delegação no Rio. A tarefa não seria difícil pois Castro, além dos agentes da DGI no Rio (entre eles, o espião Luís Mariano), contava com a ação dos serviços de inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, por acaso dirigido pelo ex-marxista-leninista Tarso Genro. Mas, precavido, temendo a fuga em massa dos atletas, péssima para a imagem do regime, Fidel antecipou em um dia o embarque da delegação cubana, sem que muitos atletas pudessem participar da cerimônia final da entrega de medalhas. De fato, dias antes, em 23 de julho, o Líder Máximo mandou o seu recado ao governo Lula e companheiros do Foro de São Paulo, entre eles o indefectível Marco Aurélio “top top” Garcia. Nas páginas do Granma, órgão do governo, Fidel escreveu que os foragidos eram “traidores do povo” e acrescentou: “A traição por dinheiro é uma das armas prediletas dos Estados Unidos para destruir a resistência de Cuba”. Maquiavélico, abriu o leque ideológico da questão. No Brasil, os dois atletas contratados pela Arena Box-Promotion foram mantidos no estreito círculo da “liberdade vigiada” estabelecido pela Polícia Federal. Embora (ao que tudo indica) com visto de entrada com validade para 90 dias, como prevê o Estatuto dos Estrangeiros, nem o empresário turco, nem os advogados da empresa alemã, nem tampouco os representantes da OAB ou integrantes do Alto Comissariado da ONU puderam falar com os detidos. Uma onda de informações oficiais cavilosas tomou conta do noticiário. Foi dito, inicialmente, que os “cubanos estavam gastando muito com prostitutas”; depois que foram “entorpecidos por alemães ao beber energéticos em Copacabana” e, em seguida, “seqüestrados”. Por fim, já presos, circulou que os desertores disseram à Polícia Federal que “amavam Cuba” e “queriam voltar, sem medo de retaliações”. O empresário turco, no entanto, afirmou categórico que os boxeadores, durante o período em que estiveram detidos sob “liberdade vigiada”, foram vítimas de pressões psicológicas: - “Os cubanos entraram em contato com os atletas e disseram: ‘Por que fizeram isso?... Seu pai e sua mãe vão passar o diabo’”. No dia 4 de agosto, já sabendo do embarque, Fidel escreveu no Granma que os atletas “Estarão provisoriamente numa casa de visita” (para uma completa “lavagem cerebral”, afirmo eu) e “serão lhes oferecidas tarefas decorosas segundo os seus conhecimentos”. Só depois do corretivo em regra, o tirano liberou a entrevista de Rigondeaux, divulgada pela TV Cubana, em que o pugilista, vilmente amestrado, se dizia arrependido, merecedor de castigo e “fiel a la revolución”. Em Brasília, diante da indignação geral, o deputado Rodrigo Maia, da oposição, lamentou que o aparato de inteligência do governo Lula tivesse sido usado “como um prolongamento da polícia política do ditador Fidel Castro”. Por sua vez, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Heráclito Fortes, associou a deportação dos cubanos ao ocorrido com Olga Benário, mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes, que foi deportada pela ditadura de Vargas e executada por Hitler, na Alemanha nazista. O senador Arhur Virgílio, líder do PSDB, apresentou requerimento para convocar o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, “O Vermelho”, para prestar esclarecimentos na Comissão de Relações Exteriores. Fora do âmbito parlamentar, José Miguel Vivanco, diretor-executivo da divisão para as Américas da Human Rights Watch, entidade voltada para a defesa dos direitos humanos, pediu uma investigação profunda, feita por uma comissão independente com o apoio do Congresso e do Judiciário, no sentido de “esclarecer por que os atletas voltaram para Cuba depois que desertaram da delegação do Pan”. Em suma, toda essa gente parece ignorar que o governo petista é o principal aliado de Castro na estratégia de se implantar a União das Repúblicas Socialistas na América Latina. É fato inquestionável. E tanto que o tirano, nas “reflexões” do Granma, pede tranqüilidade ao governo brasileiro em face “das inevitáveis campanhas dos adversários”. Ciente do mando absoluto, conclui: “Eu, por meu lado, dormirei bem”. Quem dúvida? Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.
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