Lá estava o homem a mendigar em altos brados, a voz firme, bem postada. Falava com as pessoas no ponto de ônibus, para os "privilegiados" como eu, que podem passar pela roleta (sic) sem pedir para descer sem pagar. No Brasil, dependendo das circunstâncias, a noção de privilégio é torta. Nos pontos de ônibus ficam as pessoas expostas aos assaltos, a acidentes causados por buracos na calçada, aos pedidos dos mendigos e outras adversidades. Nem é preciso pesquisa para demonstrar que a classe trabalhadora é a que fica exposta à violência, ao serviço público de má-qualidade, à lentidão da justiça, ao ensino ruim e outras mazelas. O sujeito é assaltado na porta de casa porque trabalha até mais tarde, mora longe e vai embora de ônibus. O idoso fica sem a carteira porque além de ajudar a sustentar a casa até hoje vai pessoalmente até o banco retirar o dinheiro da aposentadoria. Na rua, fica às voltas com esse exército de pedintes que aparecem todos os dias. São tantos que o sujeito vai ficando imune ao assombro de ver mulheres com crianças no colo, à noite, nos cruzamentos. Agora há uma nova modalidade de pedinte: o profissional. Ele tem voz bem postada, fala um português limpo e recheado de elementos dramáticos. O filho ou pai está doente, uma tia precisa operar, o irmão está desesperado. O texto é pesado, ensaiado para impressionar e mexe com o brio das pessoas: "Agradeço a todos; aos que me ajudaram e aos que não me ajudaram também. Obrigado a você que não me ajudou. Deus olha por você também." Comecei a rir sem medo que um raio caísse sobre minha pobre, mas não incauta cabeça. É muito bem feito. Evidente que há os verdadeiros necessitados. Nesse caso, ajudo quando posso. Quem não sente despertar um sentimento de culpa? Eu aqui, saudável, e essa criatura necessitada. A coisa tem apelo. Pouco a pouco chama a atenção do público apressado. É quando sai a esmola que não resolve o problema da miséria. Os programas sociais do governo também não. O bolsa-família alivia, mas é uma medida emergencial. Precisamos de algo mais bem articulado nessa área e, definitivamente, os homens que governam o Brasil não demonstram capacidade para tanto. Aqui embaixo, no terreno dos normais e escaldados, por vezes se pensa no que fazer para ajudar. O melhor seria colocar a mão na massa, ir a um desses centros de triagem da prefeitura, participar de obras sociais, atuar como voluntário em campanhas assistenciais. O que fazer para mudar as coisas? Quando essas coisas vão mudar? Quem vai fazer as coisas mudarem? Preciso da resposta para espantar esse mal-estar, esse asco, cada vez que vejo uma mãe (?) com uma criança num dos braços e o outro estendido. Reprimo, a princípio, a sensação de nojo e tristeza. Mas como evitar? Se abomino o modo como ela trata o filho (?). Aos berros, ignorando a humilhação imposta àquele ser ainda incapaz de agir e pensar por si próprio. Nota do Editor: Marcos Alves é jornalista.
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