"Em economia, são necessárias apenas algumas poucas palavras para estabelecer uma meia-verdade, enquanto para esmiuçarmos a verdade inteira precisamos de longas e áridas dissertações." (Frédéric Bastiat) Assim que foi divulgado o resultado da balança comercial do mês de julho, começou a indefectível choradeira. Malgrado as exportações do país nunca tenham sido tão expressivas, os lamurientos se queixam de que as importações cresceram perto de 40% em relação ao mesmo período do ano passado. "Um absurdo! Estão inundando o nosso mercado, dilapidando as nossas divisas, assassinando as nossas indústrias", costumam dizer os acólitos do protecionismo tupiniquim aos atentos e bem adestrados jornalistas da grande mídia. Sempre que assisto a essas estúpidas manifestações, lembro do velho Bastiat e de sua famosa pergunta: "O que é afinal melhor para os indivíduos e para a sociedade, a abundância ou a escassez?". Colocada dessa maneira simples e direta, qualquer um, em sã consciência, a responderia de pronto: "a abundância, é claro! Até porque a riqueza de qualquer nação consiste da quantidade e variedade de bens e serviços disponíveis". Então, por que tantos se deixam engabelar pela velha ladainha protecionista, aumentando sem cessar o coro dos que demonizam as importações, cujo principal efeito é justamente incrementar o estoque de riqueza à disposição dos consumidores? De que afinal eles têm medo, senão da própria abundância? São três as causas da imensa popularidade das políticas protecionistas mundo afora: primeiro, seus beneficiários (representados por sindicatos de empresários e trabalhadores) são concentrados e barulhentos, o que os torna bastante visíveis aos olhos dos políticos, enquanto os prejudicados (o resto da sociedade, que paga a conta) são difusos e quase invisíveis. Em segundo lugar, a maioria das pessoas costuma confundir dinheiro com riqueza, como se a simples posse de uma montanha de dinheiro, semelhante àquela do Tio Patinhas, nos fizesse mais ricos. Quem dera assim fosse, pois seria muitíssimo fácil eliminarmos a pobreza da face da terra, bastando um punhado de papel e tinta. Infelizmente, no mundo real a coisa funciona de forma diferente, já que não podemos comer dinheiro, beber dinheiro, vestir dinheiro, calçar dinheiro, viajar no dinheiro etc. A terceira razão deriva do fato de que muitos ainda enxergam o trabalho como um fim, e não simplesmente um meio para o alcance dos verdadeiros fins, que são a obtenção de bens e serviços, ou seja, o consumo de coisas que nos permitem a subsistência e facilitam o bem-estar. Assim como o remédio é somente um dos meios que utilizamos para alcançar o real objetivo - a saúde -, o trabalho não é outra coisa senão o meio que normalmente empregamos para obter aquilo que nos proporciona bem-estar - este sim, o verdadeiro fim - ao menos na esfera material. Robinson Crusoe certamente não teria qualquer problema para reconhecer que a abundância é sempre melhor do que a escassez. Para ele, seria evidente que a fartura de recursos e de produtos à sua disposição lhe é muito mais vantajosa. Nenhum ser solitário pensaria em devolver os excedentes de uma boa pescaria ao mar ou queimar os frutos de uma colheita farta a fim de valorizar o próprio trabalho do dia seguinte. Esse homem entenderia facilmente que o trabalho não é um fim em si mesmo, mas apenas uma ferramenta para a obtenção do que realmente lhe interessa. Toda a confusão começa com o advento da divisão do trabalho, quando cada indivíduo passou a considerar o próprio esforço não mais como um meio, mas como o verdadeiro fim. O raciocínio é simples: somos mais ricos na proporção em que somos mais produtivos, vale dizer, na medida em que trocamos o nosso trabalho por uma quantidade maior de bens e serviços, ou, em outras palavras, o vendemos a preços mais altos. Como os preços serão sempre maiores à medida que a oferta é mais escassa, quanto menor a quantidade disponível do produto que cada um de nós produz ou contribui para a produção houver, maior será a nossa remuneração. A conclusão disto, pelo menos de acordo com os interesses individuais de cada um, é que, de algum modo, a escassez nos enriquece. Ocorre que, como vimos acima, com o advento da divisão do trabalho e da especialização, o que cada um de nós produz, ou seja, os frutos do nosso trabalho individual, nada mais são do que um meio para obtermos os recursos para o próprio consumo. Portanto, somos ao mesmo tempo produtores e consumidores. Enquanto produtores, nos beneficiamos da escassez; porém, como consumidores, é a abundância que nos interessa, já que o consumidor se torna mais rico na medida em que pode comprar bens e serviços sempre mais baratos. Assim, se analisarmos a coisa apenas pela óptica dos interesses de cada um, chegaremos a um beco sem saída. Como produtores e vendedores desejamos a escassez, ou seja, quanto menor o número de concorrentes ofertando os produtos e serviços de que somos especialistas e maior for o universo de pessoas dispostas a comprar aquilo que produzimos, melhor. Como consumidores, por outro lado, visamos à abundância, pois quanto maior a oferta dos produtos de que precisamos, mais bem servidos estaremos. Como esses dois interesses são absolutamente incompatíveis entre si, apenas um deles será necessariamente coincidente com o interesse geral da sociedade, enquanto o outro lhe será hostil. Uma lei que beneficie alguns produtores certamente irá prejudicar inúmeros consumidores e vice-versa, já que existe um antagonismo fundamental entre eles. Como lidar com tal antagonismo? Relativizar a questão e buscar um "meio-termo", como tem sido feito amiúde, utilizando a espúria teoria da escassez para beneficiar interesses concentrados e bem organizados, em detrimento dos grupos menos influentes e desorganizados? Infelizmente, as leis, que deveriam ser sempre neutras, têm ficado ao lado dos produtores, contra os consumidores, vale dizer, em favor dos preços altos e não dos baixos; em suma, têm incentivado a escassez, no lugar de facilitar a abundância. Leis protecionistas operam dentro da lógica perversa de que a riqueza de uma nação é inversamente proporcional à abundância de produtos. Enquanto tínhamos uma dívida externa considerável a pagar, fazia algum sentido acumularmos superávits na balança comercial. Hoje em dia, manter uma fortuna em reservas cambiais é exportar poupança e privar os consumidores locais dos benefícios da abundância que a valorização da nossa moeda poderia estar gerando. Até quando continuaremos atirando nos próprios pés? Nota do autor: Este texto foi baseado no capítulo 1 do livro "Sofismas Econômicos" de Frédéric Bastiat, no qual o autor, de forma magistral, procurou derrubar, um a um, a maioria dos sofismas econômicos que, já no seu tempo, atravancavam o desenvolvimento. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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