Todos os dias o garoto fazia o mesmo percurso até chegar ao colégio. Tinha horário certo para tomar banho, se arrumar, pentear o cabelo, tomar café, escovar os dentes, pegar a bolsa e sair de casa. Pelo caminho encontrava sempre as mesmas coisas: a barraca do velho, a casa misteriosa, a padaria, o orelhão e alguns barracos. Embaixo da amendoeira ficava sempre um ceguinho, que ao ouvir os passos do menino lhe desejava boa tarde, que era retribuído com um aperto de mão. O percurso era um pouco deserto, o garoto enchia as mãos de pedras ao atravessar o rio, e durante a caminhada, ficava atirando sem alvo certo. Do rádio ouvia as músicas, notícias e novelas. Vivia sonhando acordado... Seu pai comentava com sua mãe o quanto o menino era sonhador. E a mãe, cheia de orgulho e com lágrimas nos olhos, concordava com o pai, que devagar voltava para a lavoura. A vida do capiau não era fácil. Mesmo seu pai evitando colocar a enxada na mão do menino, ele sabia que seus irmãos dependiam do seu suor para não sentirem aquele "vazio" que alguns de seus vizinhos sentiam. Faltava tudo, só não faltava o sorriso. E era isso que ele mais gostava de fazer. Ficava olhando para o pedaço de espelho em cima do tanque e fazendo pose. Sonhava em um dia se ver em um pedaço de papel, como o surrado retrato que ganhou de uma vizinha já falecida. Até que o colégio anunciou que dali a duas semanas o fotógrafo estaria no local. A tão sonhada foto custava algumas capinadas, mas o menino estava convicto do que queria. Chegou o dia. Faltavam alguns centavos, que através de muita insistência ele conseguiu com os colegas. Na fila dos meninos, cabelos penteados, dentes escovados e peito estufado. No lado das meninas, os olhares para o cabelo umas das outras, laços de todas as cores e o batom rosa claro passando de mão em mão. O garoto viu de longe a luz do flash e ficou com medo. Sua avó dizia que a alma da pessoa fotografada era levada na hora em que a luz era projetada da máquina. O fotógrafo o chamando e ele parado, sem conseguir dar um passo. Respirou fundo, concertou o suspensório e sentou na cadeira. Observou que ao fundo havia um tecido azul, e ao sair dali, partiu para sua humilde casa, com um sorriso ainda maior do que o natural, se sentido realizado, feliz e com a sensação de que esteve no céu. A foto só chegaria em duas semanas, e a dúvida sobre a perda de sua alma ele tirou ao se olhar no espelho. E passou a acreditar que a luz que sua avó se referia tinha um outro efeito: o brilho nos olhos. Nota do Editor: Rafael Coelho é acadêmico de Jornalismo pela Universidade Candido Mendes - Niterói, assessor de imprensa da Tverde, canal 10 à cabo em Guapimirim-RJ, autor do blog www.palavriando.blog-se.com.br, apresentador do programa "Sintonia 105", na Rádio Comunitária JG FM 105,9, colaborador do Jornal O Estado RJ e estagiário de comunicação em uma empresa líder no ramo de papel e celulose.
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