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Opinião
25/08/2007 - 05h36
O tabu da usura
Rodrigo Constantino - Parlata
 

"O desenvolvimento é alérgico ao dogmatismo." (Alain Peyrefitte)

Em A Sociedade de Confiança, Alain Peyrefitte faz uma fundamental distinção entre sociedades temerosas, que assumem a vida como um jogo de resultado nulo ou mesmo negativo, e sociedades de confiança. Nas primeiras, prevalece a visão de luta de classes, a xenofobia, a inveja, o fechamento, a agressividade. Nas últimas, predomina a solidariedade, a abertura, o intercâmbio. Somente estas se desenvolvem, expandindo-se e vencendo os obstáculos naturais da desnutrição, doenças, violência endêmicas. Nesse contexto, Peyrefitte trata do tabu da usura, lembrando que durante muitos séculos o aluguel do dinheiro foi visto como algo absurdo, uma exploração pecaminosa. Era um reflexo claro de uma sociedade de desconfiança total. E são justamente as mentalidades que representam o motor essencial do desenvolvimento - ou um obstáculo intransponível. Derrubar este tabu era, portanto, crucial para o estabelecimento de sociedades de confiança e, por conseqüência, desenvolvidas.

Como não poderia deixar de ser, Peyrefitte foca bastante no papel da Igreja medieval como resistência ao progresso econômico, condenando a usura como pecado. Para ele, "as afinidades comportamentais e institucionais entre catolicidade e atraso econômico são inegáveis: dogmatismo, telecomando, resistência à inovação, desconfiança ante a difusão de uma cultura individual, obscurantismo, recusa da modernidade" etc. Até mesmo o riso chegou a ser reprimido pela Igreja. Mas a ação mais nefasta ao progresso foi mesmo a condenação ao empréstimo de dinheiro. Raramente um comerciante poderia agradar a Deus, segundo as crenças religiosas da época. O lucro era visto como exploração, devendo representar o prejuízo de outro. Essa mentalidade estaria mais forte que nunca no marxismo, onde no lugar de parceiros comerciais, há adversários, e a relação econômica é um antagonismo, não uma sinergia. O empréstimo remunerado era visto com repulsa, e essa visão não era monopólio da Igreja, pois está presente na Bíblia, no Alcorão e até em Política, de Aristóteles. Para o autor, o obstáculo situava-se mais nas mentalidades do que na Igreja. Era preciso mudar as mentalidades.

Foi então que surgiu Calvino, quem Peyrefitte considera "o primeiro a reinterpretar a Bíblia, afirmando que a lei divina não proíbe a usura". O emprego de capital tem preço, e o empréstimo é um serviço prestado. O dinheiro não é estéril, como afirmava a mentalidade predominante. O próprio dinheiro passa a ser visto como mercadoria também, sendo, portanto, produtivo. O dinheiro não é mais apenas um instrumento de troca, mas um meio de empreendimento. É preciso suprimir o dinheiro ocioso. Além disso, Calvino incentiva a independência espiritual dos indivíduos, assim como sua disciplina voluntária. Para Peyrefitte, "o calvinismo é uma ética da comunicação, da troca, do desenvolvimento das capacidades - da frutificação dos talentos". Esse traço fundamental é que explicaria, segundo Peyrefitte, a aceleração que o calvinismo provoca na atividade econômica, financeira e comercial onde é bem recebido. Isso seria bem mais importante do que a "dupla predestinação" ou a "iniciação", que Max Weber teria focado.

Com Calvino, acabou-se a maldição intrínseca das riquezas. Somente seu abuso e sua má utilização podem prejudicar. Através de Calvino fica mais claro que a vocação natural do homem conduz ao intercâmbio, ao consumo, ao desenvolvimento. O livre uso dos bens não se destina unicamente às necessidades, mas também ao prazer e divertimento. O sucesso pessoal, a prosperidade, passam a ser assumidos em confiança, como próprios do homem. Conforme resume Peyrefitte, "Calvino deslocou a mentalidade econômica da divisão das riquezas em direção à criação de riquezas". A economia não é um jogo de soma zero, onde para alguém ganhar outro deve perder.

No entanto, parece evidente que tamanha revolução mental não ficaria imune de ataques. Justamente porque a Reforma calvinista reabilita o empréstimo a juros, tão essencial para o desenvolvimento, a Igreja católica endurece e parte para a ofensiva com sua Contra-Reforma. Na França, em 1579, o decreto de Blois estabelece inibições e proibições a todas as pessoas, de qualquer estado, sexo ou condição, de praticar usura ou emprestar dinheiro com lucro e juros. Este artigo, confirmado por uma regulamentação de 1629, permaneceu em vigor até 1789, ou seja, por mais de dois séculos! A hostilidade intransigente contra a usura era fruto de um preconceito bastante enraizado nas pessoas. Segundo Jeremy Bentham, o empréstimo a juros foi o bode expiatório do tabu do dinheiro. Os judeus foram muito perseguidos, em boa parte, por assumirem a mesma função expiatória. Como o dinheiro é ao mesmo tempo amaldiçoado e cobiçado, deixa-se os bodes expiatórios ganharem dinheiro, e depois apodera-se dele sempre que necessário, pela força. Mas aqueles que fazem o dinheiro acabam vítimas da desonra.

Conforme Peyrefitte desenvolve em seu livro, os pilares do progresso passam pela liberdade individual, criatividade, responsabilidade. A confiança no indivíduo é peça-chave para o desenvolvimento. Faz-se necessário confiar na confiança. Isso pressupõe uma sociedade aberta, disposta a trocas voluntárias, receptiva de novidades. Entre as várias barreiras que são erguidas contra isso tudo, o tabu da usura é um dos mais relevantes. Sem a liberdade e confiança nas trocas, inclusive entre credores e devedores, não há avanço econômico sustentável. E apesar do tempo decorrido desde Calvino e outros pensadores que atacaram esta questão, muitos ainda se agarram nesta mentalidade retrógrada, desconfiando do livre comércio, condenando a globalização, os bancos, os credores de forma geral. Essas pessoas ainda estão presas no dogmatismo, na visão errônea de mundo, onde predomina a desconfiança, onde o ganho de um é visto como perda do outro. Nenhuma sociedade consegue realmente se desenvolver sem derrubar este tabu.


Nota do Editor: Rodrigo Constantino (constantino.rodrigo@gmail.com) é economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfólio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também.

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