Olhos verdes. Era bem assim, que eu e Pedro, dois brocoiós perdidos, chamávamos Alice, sem a coragem de lhe falar em voz alta. No seio nu das palavras inexistentes, não conseguíamos ficar imunes ao sorriso daquela deusa de nossos delírios juvenis. Por isso, nunca consegui dobrar a esquina dos meus tempos sem esquecer aquele olhar. Implacáveis, vieram os anos, e com eles, tantas saudades e depois... lembranças esmaecendo no findar das datas. Mas me lembro de Alice e seus olhos verdes, acima da jucunda boca de lábios ferozes, júbilos de lâmina afiada como a desdenhar minha vontade de beijos. Beijos nos lábios que cobriam uma alva dentadura, antônima do riso escancarado que causava terremoto na libido de muitos dos colegas da faculdade. Rodei mundo, casei, descasei e casei novamente. Certa noite de mesa de bar, em papos com amigos desses tempos, na roda das lembranças de quem está vivo ou já se foi na bruma dos anos que nos perseguem, lembramos de Alice e seus olhos verdes, e desatamos a narrar histórias do furacão de nossas libidos. Será que somos incompetentes com o amor, que nos perfaz suas rotas ingratas? Onde andará a gostosa da faculdade? Será que ainda conserva o viço juvenil, será que sonha ou se lembra de sua platéia de abobados babões? Lembranças podem se apagar como uma fútil frase escrita na areia. Mas as lembranças dessa época ficaram como cimento, pois éramos os navegadores intrépidos no rito de passagem das idades, onde o sexo passa a ter uma função mais determinante que a simples necessidade fisiológica. Lembro-me que a deusa dos olhos de mar surgiu com mais intensidade em nossos papos. À medida que as palavras buscavam as lembranças, seu rosto, o sangue, a cor da pele, foram surgindo como brocas que remexeram as teias do nosso teto de memória. A fria razão e o instinto são dois pólos bem distintos em minha vida. O que mostro e o que oculto, procuro sempre não transformar em tormento. Festejo datas retomo lutas, abandono sonhos e como no choro de Pixinguinha, vou vivendo. Alice deve também continuar seguindo seu destino, assim como meu amigo Pedro e eu que choramos um pouco a indiferença daqueles olhos verdes. Além dos cinqüenta, esse meu velho coração já passou por muitas conversas e andou na boca e nos sentidos de muitas outras paradas. Perdi a percepção, perdi o bonde, ganhei outros rumos e, quando sonho alegrias, acendo uma vela no peito sobre o castiçal do coração. As tristezas, tento desaguar na escuridão do meu passado. Se as nossas lágrimas apagassem a saudade que nos cerca e tivessem, naqueles anos, apagado também o fogo que nos consumia, talvez viver não tivesse valido tanto a pena assim. No entanto, num último brado de nossa coragem, eu pediria as lágrimas de todos os meus amigos queridos e criaria um rio em rota ao passado e veria Alice e aqueles olhos verdes com vistas de outro homem que não um jovem perdido num turbilhão infindável de desejos. Se aquela sede de paixão já não existe mais, ficou uma saudade na rota de nossas vidas que, com certeza, não se apaga nunca mais. Continuamos nos comportando como pássaros em busca de primaveras imprevisíveis nos espaços do tédio transeunte, esperando, quem sabe, outros olhos tão vivos quanto aqueles olhos verdes... Nota do Editor: Lizoel Costa é jornalista.
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